BRUNA TORLAY丨Sedição e Tradição

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

Outro dia, entrei em meu sushi bar favorito sem prestar atenção ao balcão. Pedimos o de costume e, a certa altura, dei-me conta que o chef não estava lá. Não virei para verificar. Simplesmente disse: “ah, certamente ele está de férias”, ao pôr na boca um bocado de ceviche, depois de ter estranhado o carpaccio, cujo molho escapava às proporções habituais.

Eu sempre soube que um dos garçons era parente próximo do chef, que só poderia ser o proprietário do restaurante. O lugar é completamente familiar, e imperturbavelmente estável em termos de qualidade da comida que chega à mesa. O cardápio é dinâmico porque depende do peixe disponível no mercado; os molhos são únicos porque o chef está ali desde 1997 criando e atualizando as receitas peculiares. Negócio de família. Óbvio que ficamos clientes.

Mas recentemente, o carpaccio mais delicioso da cidade não estava igual e o ceviche parecia o de um lugar qualquer. Não fiz perguntas. Quando o garçom, que eu sabia ser parente do chef, veio tirar a mesa, mandei logo um “ah, diga ao chef que ele é inimitável. Está quase tudo bom, mas o ceviche e carpaccio dele, ninguém consegue fazer igual”.

Aí o moço revelou que o chef era seu pai e que, quando não estava, clientes antigos habituados a pedir comida por telefone ligavam depois para perguntar: “seu pai não está aí hoje, né?” Claro que eu não fui a primeira a notar, como certamente não serei a última.

Em 1997, Lula nunca havia governado o Brasil, mas o restaurante já estava lá. Em 2022, após oito anos de Lula e quase seis de Dilma, não foi a lugar nenhum. Quer dizer, ficou exatamente onde deveria: entre os restaurantes que elegemos como extensão da nossa casa, e que naturalmente passamos a frequentar.

Quantas forem as sedições que alarmarem os espíritos sensíveis, o chef continuará por lá, escolhendo minuciosamente os melhores peixes do dia para entregar aos clientes daquele maravilhoso recanto, governado pela força da tradição, o ceviche perfeito, o carpaccio único (com molho de azeite e maçã ralada) e a magnífica experiência da familiaridade.

Honestamente, eu não tenho medo do governo Lula – a não ser que se proíba a comercialização de peixes, o que acabaria com o SHIZEN.

Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2023

1 COMENTÁRIO

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor