VITOR MARCOLIN | Não à Bíblia Sagrada?

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

A mais descabida das “lacrações” é uma blasfêmia

É imprescindível o papel da religião cristã no processo de consolidação das instituições ocidentais, daí a importância fundamental da Bíblia Sagrada para a formação da moral e do imaginário do homem comum – basta observar as inúmeras referências bíblicas presentes na grande literatura. Não obstante essa obviedade, a cultura contemporânea — frequentemente sob a autoridade dos seus principais agentes, a universidade e a mídia — faz questão de desprezar a Bíblia ao mesmo tempo em que se esforça para incutir esse mesmo escárnio à Sagrada Escritura na consciência do povão.

Um fato curioso que evidencia a monstruosa incoerência dos acadêmicos contemporâneos é a atenção, o cuidado, o esmero, a devoção com as quais eles, nos seus departamentos de sociologia, filosofia e antropologia, analisam os textos sagrados de antigas civilizações não cristãs a fim de aprender mais sobre o seu modo de vida. Quando, no entanto, têm de aplicar algum esforço — frequentemente insuficiente por causa da má vontade – com o objetivo de investigar quaisquer elementos no processo de formação da sociedade ocidental, fazem vista grossa à literatura religiosa sem a qual o Ocidente jamais teria alcançado esse formidável status de desenvolvimento – o que inclui, obviamente, a primazia também na assistência, no amparo e na beneficência sem precedentes para com os necessitados.

A antipatia que se reflete nos bordões, clichês e estereótipos veiculados pela grande mídia tem na linguagem a sua principal caixa de ressonância. E, claro, o conteúdo da mensagem veiculada é, explícita ou subliminarmente, a inoculação da antipatia à Sagrada Escritura na consciência do receptor da mensagem. O mote é, com cada vez mais frequência, a narrativa absurda de que a Bíblia — como todos os símbolos da cultura ocidental — contém termos impróprios aos ouvidos do censor do politicamente correto. A última moda é declarar cinicamente que a Sagrada Escritura apresenta, aqui e acolá, trechos “homofóbicos”, “machistas”, “xenófobos” e “supremacistas” que caracterizam, no mínimo, uma insuportável “arrogância” por parte dos seus leitores devotos. 

Quem quer que compre a narrativa anti-Bíblia é um inepto incapaz de pensar sobre qualquer coisa que esteja para além da circunscrição ideológica dos seus bons companheiros. Em primeiro lugar, a Sagrada Escritura, cujo cânon oficial foi estabelecido durante o Concílio de Hipona, em 393 (ratificado em Trento, em 1546), não poderia conter o germe do mal que ela combateu desde sempre. A narrativa anti-Bíblia é evidentemente uma inversão completa, um descarado artifício retórico — dos mais fracos, diga-se de passagem – a fim de desacreditá-la. A Bíblia contém a Palavra de Deus, o Verbo Encarnado cujo fato mesmo da sua encarnação é o fundamento da esperança de todos os cristãos espalhados sobre a Terra.

Os adeptos da inútil arte de procurar pêlo em ovo não percebem que sua obstinação maluca os está empurrando cada vez mais para fora da realidade. E isto se deve àquilo que o professor Olavo de Carvalho chamou de “paralaxe cognitiva”, um estranhíssimo fenômeno psíquico caracterizado pelo deslocamento entre o eixo das teorizações e o eixo da experiência real. O sujeito que, por exemplo, em tudo vê ameaças à sua sacrossanta homossexualidade vive, a bem da verdade, num mundo à parte, numa redoma artificial cuja atmosfera está turvada pela sua imaturidade e arrogância travestidas de autopiedade. Ele não é capaz de perceber que, se tomar partido da narrativa gayzista, tornar-se-á vítima ele mesmo desta forma torta de ver o mundo, pois aqueles que verdadeiramente lucram com as especulações revolucionárias não são os militantes usados como massa de manobra. Basta observar a História.

Geralmente, o homossexual é o sujeito que valoriza mais a discrição do que a ética espalhafatosa, caricaturesca e, ipso facto, desrespeitosa com a qual é apresentado ao mundo pelo estereótipo construído pelos idealizadores da sua conduta – que ele julga ingenuamente ser uma expressão autêntica da sua própria consciência. No entanto, basta a imersão na cultura e linguagem revolucionárias para que o sujeito creia-se vítima do machismo, homofobia, preconceito, discriminação e perseguição próprias não de outra cultura, senão precisamente daquela que segue a Sagrada Escritura. Daí a antipatia, o desprezo e o ódio não só desproporcionais, mas descabidos com os quais os militantes – que ostentam todas as bandeiras na Av. Paulista – armam-se para enfrentar o antiquado tradicionalismo cristão.

Os pobres coitados, na verdade, foram iludidos por forças que estão para além da sua compreensão; eles precisam de ajuda, em primeiríssimo lugar, para entender as coisas com clareza. Nada mais triste no mundo do que a angústia do indivíduo que deseja ardentemente compreender o que se passa consigo, mas se vê enlaçado por aquilo que, aparentemente, é uma misteriosa impotência. É como se o mundo, o diabo e a sua própria carne somassem forças para aniquilá-lo para sempre.

Assim, a consequência mais terrível da paralaxe cognitiva, do afastamento da realidade é o fechamento cada vez mais gradual para as possibilidades existenciais. O deslumbramento com as coisas decai para uma espécie de pano de fundo evanescente cuja presença não ocupa mais do que as margens do campo de visão do sujeito. Tudo o que poderia entrar para a esfera das experiências reais agora é efêmero se comparado à pujança das ideias, das teorizações, dos planos para o estabelecimento da sociedade perfeita e da plena realização da felicidade individual. Mas a tragédia emerge trazendo consigo toda a carga de histeria e ódio até então mantidas em germe quando o pobre coitado percebe que absolutamente nada daquilo que ele teorizara sobre o mundo real existe. 

Daí o ressentimento que evolui para o ódio que alimenta as intervenções “lacradoras” na cultura e, sobretudo, na linguagem. Mas há uma consequência mais triste e grave: quando a “lacração” transforma-se em blasfêmia. Não é preciso ter QI 180 para constatar que, se as coisas não mudarem, chegaremos fatalmente ao local para o qual marchamos a passos largos: o mundo no qual todos os resquícios de religião serão abolidos; todas as referências ao transcendente nas realizações humanas – na cultura, na arte etc — serão combatidas pelo poder central. É evidente que num mundo assim a própria verdade será combatida, porque o objetivo da nova conjuntura será a manutenção da narrativa, da “ideologia”. E o poder será exercido por quem? Ora, por aquele cujo espírito já estamos quase todos impregnados, aquele que “quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira”.

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