VITOR MARCOLIN | Gustavo Corção

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

“Lições de Abismo” aos usuários das redes sociais

Em Lições de Abismo, Gustavo Corção conta a história de José Maria, um professor universitário à espera da morte. Tão logo descobre ser portador de leucemia, o homem dá vazão às suas reflexões sobre a vida, sobre o amor, sobre Deus. O seu interesse pela metafísica é, portanto, sintomático: José Maria é o homem consciente da morte, é o filósofo por excelência. A substância do livro são os problemas morais do “homem-que-sabe-que-vai-morrer”. São problemas que interessam a todos nós — em qualquer época e lugar.  

Publicado em 1950, o único romance de Corção enquadra-se no rol das obras universais, daquelas que têm algo a dizer a qualquer leitor, em qualquer período histórico e sob quaisquer regimes de governo. O que ele diria sobre a nossa época? Uma forma prática de esboçar a resposta é observar com atenção as declarações de escritores relevantes sobre Lições de Abismo e seu autor. 

Rachel de Queiroz: “Livro belo, estranho, magistralmente escrito e realizado”. 

Menotti del Picchia: “Creio, sem temor de exagerar, ter lido o maior livro de ficção que já se escreveu no Brasil”.  

Sérgio Milliet: “Uma sensibilidade muito fina que o coloca próximo de certos escritores católicos como Pascal, solicitados ao mesmo tempo e com igual força pela razão e pelo sentimento”.

Moysés de Morais Vellinho: “Gustavo Corção nos deu um livro de vasto e profundo sentido humano. Os problemas de um destino truncado, que procura na descoberta da alma um ponto de resistência contra a ideia do aniquilamento total, problemas que se multiplicam e atropelam furiosamente nos solilóquios de um personagem que tem encontro marcado com a morte, imprimem ao romance, a despeito da aparente desconexão de seus motivos, um movimento uniforme em direção aos abismos do ser”.

Não surpreenderia, portanto, se nós ouvíssemos Corção — se pudéssemos ouvi-lo – tecer, com sua eloquência machadiana, críticas à nossa vida moderna, às nossas vidas nas redes sociais. A superficialidade com a qual tratamos o outro, a pressa nos julgamentos, a busca frequentemente ridícula pela aprovação traduzida em likes, coraçõezinhos e emojis sorridentes seriam objetos da sua análise. Ele teria muitos alunos aos quais aplicar as suas lições de abismo que, como o termo diz sem surpresas, são lições para aprender a cair. No seu romance, o protagonista da trama, evocando talvez a memória do próprio autor, lera Júlio Verne na infância e ficara impressionado com o trecho de Viagem ao Centro da Terra no qual o líder da extraordinária “viagem” obriga um dos membros da expedição a subir à torre de uma igreja a fim de perder o medo de altura.  

Sobre as redes sociais, ambiente hostil à autenticidade, porque esta antagoniza com o coletivismo, com a demanda ridícula pela aprovação da massa, Corção, numa hipérbole perfeitamente cabível, diria: “O coletivismo de que morre o mundo, e de que vivem os novos aventureiros, é a teoria do ajuntamento sem unidade; é a tentativa de encontrar significado na multidão, já que não se consegue descobrir o significado de cada um; a conspiração dos que se ignoram; a união dos que se isolam; a sociabilidade firmada nos mal-entendidos; o lugar geométrico dos equívocos”.  

José Maria também fará uma viagem ao centro da Terra, mas sua penetração na crosta do planeta deter-se-á a menos de dois metros de fundo, nessa “superficialíssima camada sem nenhum interesse geológico ou paleontológico”. O homem à espera da morte indaga, inquieto: “E a mim, quem me dará lições de abismo?”. Sobre a obra do seu amigo Gustavo Corção, Manuel Bandeira afirmou que “ele precisa ser traduzido para todas as línguas, a fim de mostrar lá fora que nós também somos dignos do Prêmio Nobel”. Não disse menos do que a verdade o poeta.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Ótimo texto Sr. Vitor.
    Sobre a morte, como acima mencionou em seu texto, o homem só se põem a considera-la quando legislada por uma doença incurável ou algo que o valha. Nos esquecemos que a morte é certa e talvez nosso alento seja não saber o dia e a hora da sua indesejável visita.
    Forte abraço.

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