ISRAEL SIMÕES | Zumbis na passarela

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

Terminou, no último dia 25 de maio, mais uma edição do São Paulo Fashion Week, o maior desfile de moda da América Latina. Acompanhei diariamente os looks e catwalks pelas redes sociais, bom combatente que sou da guerra cultural entre cristãos de boina e charuto e aqueles filhos pródigos que lançam miçangas aos porcos.

Parecia mais um episódio de The Walking Dead, já que o mundo fashion contemporâneo insiste em modelos com maquiagens pesadas, sombra preta abaixo dos olhos, cabelo molhado grudado na testa, roupas retalhadas e muita, mas muita feiura.

Os crochês e trabalhos manuais estão em alta, mas somente nas passarelas: não espere ver Marina Ruy Barbosa ou Bruna Marquezine usando um desses looks de barbante supostamente confeccionados por tecelãs nordestinas. Preferem Armani ou Versace.

Enquanto isso, na moda tropicália paulista prevalece, no lugar da alta costura, a mensagem, o símbolo de um movimento. Se as meninas pobres brincam que são médicas de suas bonecas, as elites progressistas fazem o teatrinho do bom selvagem, amantes que são da natureza e dos costumes ribeirinhos, enquanto saboreiam um suculento Paillard de Filé Mignon no Coco Bambu.

Outra tendência foi a tal da alfaiataria desconstruída: looks de linho e tricoline que pareciam recortados por uma criança de 6 anos, assimétricos, desconectados, como são os neurônios dessa gente eternamente rebelde.

Mas o que mais chamou a atenção foi a moda genderless: sungas que pareciam calcinhas fio-dental, croppeds masculinos e muito gloss na boca dos rapazes. Não, as mulheres não foram exatamente masculinizadas, pois continuam exibindo curvas, peitos, carões e jogadas de cabelo. São os homens que mais fazem o papel de palhaços, desfilando músculos bem definidos, mas paradoxalmente aceitando toda forma de exposição humilhante apenas para fazer parte da patota do “todes”. Na obrigação de adotar trejeitos distantes do universo macho, acabam por comprovar a máxima feminista de Beyoncé: “Who run the world? Girls!”

Diversos estilistas cruzaram o longo corredor da SPFW com braços levantados, punhos cerrados, por vezes erguendo cartolinas com dizeres literalmente militantes, jurando que estão empreendendo uma grande revolução sem desferir um tapa sequer.

E estão mesmo: pois a luta pelo poder se dá, antes, pelos símbolos do que pelas armas. Começa ali, na passarela zumbilesca, a formação da mentalidade disruptiva, passando pelas novelas, propagandas, influenciadores de Instagram e tiktokers, até chegar nos armários dos nossos filhos adolescentes.

Curiosamente, certas moças católicas e evangélicas, crentes de que estão erguendo uma contracultura, insistem em vestir laços, lenços e sapatos de bailarina, numa decência broxante que só pode ter sido inspirada no estilo Dona Clotilde. Os moços monarquistas, muito cultos que são, adotam gravatas borboleta e suspensórios, além de um tom voz manso e polido. Nem é preciso fazer coleta de sangue: pelos gestos sabemos que alcançam, no máximo, 300 nanogramas por decilitro de testosterona.

Enquanto a Direita permanecer enrolada nas disputas mesquinhas da política corriqueira, nos saudosismos antiquados e moralismos de vizinhança, continuará perdendo espaço e influência, desatenta que está das forças elitistas que buscam remodelar a cultura popular.

Os trapos de imundícia estão na passarela.

Tragam o frasco de água sanitária, sobre o clássico salto 15 de um scarpin sensual vermelho.

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