VITOR MARCOLIN | Escola de Frankfurt e suco de goiaba

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

Crente desvairado

Àqueles que têm gosto pela História, é curioso notar como as coisas mudam em função não do decurso natural do tempo, mas das ideias. Na época do meu avô, por exemplo, quando “padre não falava a língua da gente” — numa evidente referência ao período anterior ao Concílio Vaticano II, leitor —, as coisas eram, sob muitos aspectos, diferentes. E antes que algum precipitado venha sugerir que minha abordagem tem viés moralista, digo logo que não; moralista é um desmancha-prazeres, coisa que não combina com um escritor. Alguém disse, aliás, que os moralistas são aqueles sujeitos que renunciam às alegrias corriqueiras a fim de poder, sem um pingo de culpa e recriminação, estragar a alegria dos outros.

Acho que foi Vinícius de Moraes, o “poeta e diplomata”, quem melhor definiu a pessoa do sujeito aporrinhante: “Crítico é o sujeito que tem mau hálito no pensamento”. Touchè! Assim, quem se senta à roda dos escarnecedores deve, com efeito, levar ao alto taças de anticéptico bucal. Daí não pode sair prejuízo. O relato que ouvi, de segunda mão, ilustra a natureza do paulistano-católico-tradicional-leitor-da-Escolástica, vulgo crítico. Peço desculpas pela nomenclatura esdrúxula, leitor; eu mesmo não gostei, mas as coisas precisam de nome.

De acordo com a testemunha, tudo aconteceu à roda duma mesa durante uma festa popular organizada nos limites de uma tradicional paróquia paulistana — não direi qual, embora a testemunha tenha entregado todos os detalhes. Depois de habilmente costurar uma série de argumentos contrários ao consumo de álcool, e, ipso facto, servir-se de suco de goiaba, o crítico deu início ao seu discurso contra o estado de coisas da Missa contemporânea. Embora menos curta do que empolada, tive de fazer alguns ajustes a fim de adequar a linguagem oral à forma escrita.

A verdade é que ele foi direto, segundo a testemunha; começou por tentar identificar a raiz do problema: “Escola de Frankfurt. Sim, meus amigos, foram os intelectuais reunidos sob a presidência do diabo naquele campus universitário que deram início à revolução dos costumes; foram eles que engendraram, malignamente, o estado de revolta contra Deus no qual nós nos encontramos hoje. Aqueles hipócritas, aqueles socialistas de iPhone — com o perdão do anacronismo — sabiam que só havia uma única instituição capaz de oferecer a devida resistência ao avanço das suas ideias tortas: a Igreja Católica. E foi precisamente para isso que eles se infiltraram nos seminários: para levar à formação de padres corruptos”.

“Mas a coisa é muito mais complexa do que isso, a engenharia do mal, a dialética dos canalhas é muito mais sofisticada do que vocês podem imaginar. Aliás, eu mesmo duvido que vocês sejam capazes de imaginar uma monstruosidade dessas. Reparem que toda a dinâmica da Missa foi corrompida, meus amigos; desde a música litúrgica — projetada para não ser melodiosa nem harmônica, mas dissonante —, ao comportamento dos fiéis durante a celebração. O mau gosto celebrado pelos intelectuais frankfurtianos agora encontra adeptos dentro da própria Igreja. Mas eu não. A mim eles não enganam. E querem saber o porquê?”.

O orador fez uma pausa para molhar a goela com um gole de suco de goiaba — minha testemunha achou a cena engraçadíssima, mas não consigo reproduzir aqui, leitor, o quanto ela riu. Por fim, o crítico arrematou: “Eles não me pegam porque não vou mais à Igreja, considero-me, meus amigos, um desigrejado; alguém esperto o bastante para não mais depender do sistema religioso corrompido a fim de cuidar da saúde da própria alma”. 

That’s all, folks. Depois da sua palestra, o sujeito levantou-se e foi embora. Os presentes na mesa acharam engraçado o movimento que ele fez, já na esquina, para se desviar de um mendigo coxo que estendia a mão num gesto suplicante para receber alguma esmola. Minha testemunha disse ainda que ele raramente é visto na paróquia, pelo motivo já exposto. Duas ou três vezes por ano aparece nas quermesses à procura de suco de goiaba. 

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