VITOR MARCOLIN | Católico não lê a Bíblia

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

Falta de vergonha na cara

O católico lê o quê? Vejamos: ele lê a vida dos Santos, dos mais populares e, sobretudo, daqueles de sua devoção pessoal; lê o catecismo, pelo menos os trechos que matam a sua curiosidade e sanam esta ou aquela dúvida; lê alguns poucos volumes de literatura espiritual, mística e meditações; lê devocionais… O católico só não lê a Bíblia. Não. A Sagrada Escritura fica à sombra de um limbo: admirada, mas desconhecida. Talvez pior: ignorada. Ela não passa de um acessório, de um trunfo estético símbolo máximo do seu catolicismo cenográfico.  

Muito diferente dos católicos são os protestantes. Estes cultivam um amor tão entranhado pelo livro santo que o carregam — paradoxalmente sem lá grande desvelo — sob os sovacos untados com Old Spice. Levam vantagem estes que seguem à risca a máxima luterana do Sola Scriptura. Vantagem objetiva: eles a leem. Tanto que carregam du coeur passagens inteiras. Não apenas versículos à queima roupa, mas capítulos e, quiçá, passagens completas dos profetas, sábios e evangelistas saem como dardos inflamados de suas bocas ungidas. É fogo puro!  

E o católico? Assiste ao espetáculo passivamente, como o espectador a quem não apetece participar. Talvez haja uma explicação psicológica para o fenômeno: vendo-se provido do monumental edifício do Magistério da Igreja, o fiel romano entrega-se a um relaxamento descabido, mas compreensível e, sob certos aspectos, justificável. Por que me esforçar para interpretar a Bíblia se posso simplesmente consultar a interpretação a que chegaram sábios como Tomás de Aquino ou Agostinho de Hipona? E mais: de todos os seres humanos alfabetizados em toda a História, quem melhor compreendeu o que leu do que Tomás de Aquino, o responsável — leia-se em sentido figurado — por converter Aristóteles à Fé Cristã?

Como eu disse, a justificativa para o mau hábito dos católicos é lícita apenas sob certos aspectos. A verdade é que a desculpa não perfaz a justiça, e o erro permanece. Erro, aliás, terrível, monstruoso. A Bíblia é mais do que um guia moral, é mais do que o livro fundamental do Ocidente, é mais do que a narrativa da história da redenção. A Sagrada Escritura é um relicário, é o sacrossanto repositório que, à semelhança da água, toma a forma de todas as línguas por meio das quais proclama a sua mensagem. Ela não é, mas contém a Palavra de Deus. Daí que todas as justificativas para não ler empalidecem, e quem insiste no erro subscreve a sua mais explícita falta de vergonha na cara. 

***

Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2023

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor

CONTO丨Agenda

VITOR MARCOLIN | Quaresma