SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | “Sou que nem ela!”

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

Não sou, mas por razões mais importantes que a cauda de peixe, os cabelos ruivos, o gênero, e a pele escura.


Coluna sobre as questões da aparência física de personagens de ficção e da identificação pessoal que podemos experimentar com esses.


Não me lembro como a conversa começou, mas descambou para A Pequena Sereia e a questão de representatividade cultural. O papo recém terminou. Deixei o texto que trabalhava de lado para postar aqui as reflexões que surgiram da interação, sem qualquer compromisso com a ordem em que se deu o diálogo.

Nem tudo o que escrevo abaixo é pensamento original meu, mas tudo passou pelo meu filtro. Assim, o que não prestar é de minha total responsabilidade. Já aquilo que presta deve ser creditado a quem inspirou esta coluna – minha esposa.

Durante a conversa, lembramos que fomos aprender a expressão “black movie” quando nos mudamos para os Estados Unidos. Até então esses filmes eram apenas “movies” para nós. Não era uma questão que passava pela nossa cabeça. Ao menos nós, particularmente, não tínhamos problema de identificação com personagens pela aparência. Era irrelevante.

Só que se não há dificuldade de se identificar pela aparência, isso deveria valer até quando se muda a aparência do personagem. Afinal, não seria relevante.

Minha esposa é ruiva. Para ela, a aparência da Ariel não é importante. Ela comentou como ficou tocada pela reação de crianças americanas negras com a nova Ariel. Enxergou isso como um bem.

E, admita-se, é um bem. Mas, se é um bem, por que a polêmica?

Buenas, é polêmico. De aí a necessidade de se entender o problema.

A escolha do elenco é algo sempre complicado. Tom Cruise, por exemplo, foi criticado por estrelar Jack Reacher – o último tiro. O personagem é originalmente alto e loiro; Cruise, baixo e moreno. Diversos fãs do livro não aprovaram a mudança.

Isso nos traz outra questão: no caso, ser alto e loiro é fundamental para o personagem no contexto da história?

Pensemos o caso do James Bond. Nos livros, a aparência do personagem é constante – inclusive quanto ao peso, descrito como de exatos 76kg. Já no cinema, o personagem foi interpretado por Sean Connery, George Lazenby, Roger Moore, Timothy Dalton, Pierce Brosnan, e Daniel Craig; atores bem diferentes uns dos outros.

As características físicas, portanto, não seriam determinantes para James Bond ser James Bond. Como essas tampouco seriam para Jack Reacher e para a Ariel.

Ao passar dos livros para o teatro e o cinema, a adequação dos personagens pode exigir um respeito ao físico; mas não, necessariamente. Os exemplos acima demonstram isso.

Agora, indo mais longe, até isso pode ser relevado dependendo do contexto. Se um grupo de amigos quiser encenar Asterix & Obelix, precisariam encontrar um baixinho magro e um grande gordo para os papéis?

Há vezes em que é preciso contar com a boa vontade da audiência. Porém, boa vontade é justamente o que anda em falta ultimamente.

Ao fim e ao cabo, o que realmente importa é se a história é boa e bem contada. Se os personagens tocarem na nossa humanidade, a representatividade está feita. Só que isso é algo que não aprendemos naturalmente, mas que deve ser ensinado.

E o que nós estamos ensinando para nossas crianças?

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