SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Fui, Vi, e Perdi (E Quase Não Volto!)

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

Não basta ser pai; tem que participar.

O problema de assistira àqueles filmes de família cujo roteiro é uma série de desastres em que nada dá certo, há uma confusão agoniante atrás da outra, é que me identifico facilmente com aquelas pobres almas. Minha vida está repleta de episódios típicos de comédia-pastelão ou de “Sessão da Tarde”. Esse tipo de filme me parece sempre algo como autobiográfico.

Pois, agora, no último domingo dia 4, eu resolvi fazer um programa que evidentemente valia registro perpétuo na FUNAI. Resolvi levar meus dois filhos para assistir um jogo de futsal do time aqui de Uruguaiana fora de casa. Era final, segundo jogo, o time podia ser campeão, e eu pensei: “por que não!?

Me deixar pensar sem freios, senhores, é um perigo…

Primeiro, era proibido torcedor visitante. Tive que pedir para o meu irmão que tem contatos na outra cidade para me arranjar os ingressos. E a gente precisava ir no ginásio sem identificação do time.

Segundo, a viagem era de 440km – isso, só de ida. Contando a volta, são 880km. Para fazer no mesmo dia. Afinal, a idéia era ir, ver a partida, e voltar.

Terceiro, o jogo começava às 11h da manhã. Para chegar no horário, era preciso sair às 5h.

Buenas, de excitação, as crianças mal dormiram. E se as crianças não dormem, os adultos tampouco dormem. Mas, até aí, tudo bem.

Às 4h, tocou o despertador. Fiz tudo com calma. Me levantei, botei a roupa, tomei meu café, coloquei as crianças no auto, e fomos.

O tanque não estava cheio. O posto da saída da cidade onde pensava em abastecer estava fechado. Voltamos. Os postos de dentro da cidade estavam fechados. Me lembrei de um posto 24 horas. Esse fica na saída para OUTRA estrada, mas era o que tinha. Fomos, abastecemos, voltamos e saímos.

Com quase uma hora de atraso. Mas saímos.

A BR-472 é um lixo, mas é o único caminho. Tinha que encarar. Despacito. Atrasados, mas devagar. Ao menos, estava vazia.

Minha cabeça vagava. Pensei até em fazer uma versão uruguaianense de Harry Potter, com os personagens Renê Porta e Voodemorte (tem esse nome por ter uma empresa de aviação agrícola de fachada). A escolha se chama Hogwayana, e as casas seriam Sanchurina, Sãomarcória, Carumbufa, e Planoal – cujos nomes se baseiam em quatro distritos do município (Barragem Sanchuri, São Marcos, Carumbé, e Plano Alto).

É esse tipo de coisa que a minha mente se ocupa quando está desocupada!

Buenas, voltando, quando passa de São Borja, a BR-472 vira BR-285. E não é só o nome que muda. A estrada melhora na medida em que se sobe a serra. A região das Missões é belíssima, com seus morros e vales. Achei uma estação de rádio de música campeira e fiquei admirando a estética do meu estado.

No banco de trás, as crianças roncavam. Estava tudo tranquilo. Até que um dos filhos acordou enjoado. De tempos em tempos, precisávamos parar ele vomitar. Parecia até algumas das minhas viagens de adolescente. Porém, no caso do meu filho, ele não estava de ressaca. Era enjôo de estrada mesmo.

Finalmente chegamos no destino, em Horizontina, às 10h30. Estacionamos. Tentamos nos achar no ginásio sem dar muita bandeira, mas era óbvia nossa condição de turista. Meu irmão caprichou nos ingressos: área VIP, com chope liberado. Pena que eu tinha que dirigir mais 440km serra abaixo.

O ginásio é muito simpático. O pessoal de Horizontina é acolhedor. O sistema de som antes do jogo só tocava música de qualidade. Foi tudo muito perfeito. Tão perfeito que eu consegui assistir o jogo com a direção da Associação Uruguaianense e voltar para área VIP pegar águas e (durante o primeiro tempo) chopes. Consegui até um carregador para o celular.

O meu filho enjoado não passou lá muito bem, mas aguentou no osso. O outro, que gosta mais de futebol, adorou. O jogo foi peleado. Lá e cá. Não vou contar aqui os detalhes. Enfim, empatou: 2 a 2. Prorrogação: 0-0. Pênaltis!

Perdemos: 4-2.

Senti. Desabei na arquibancada. O ginásio em festa, e eu sentado ali, sem saber o que fazer. Meus filhos vieram e sentaram ao meu lado. Ficaram me dando apoio. Eu tirei a camisa do Brasil e coloquei a camisa da Associação que levara escondida na bermuda.

A camisa é de 1996. Faz um sucesso por onde eu passo. Ninguém pode dizer que sou torcedor-modinha. Eu acompanhava a Associação pelo rádio no meu quarto em Porto Alegre quando era criança. É amor antigo.

Quando a diretoria do clube foi embora, me levantei. Cumprimentei os vencedores, agradeci a hospitalidade, e perguntei onde se poderia almoçar no domingo às 2h da tarde. “Agora, é difícil.” Normal. Já imaginara.

Achamos uma sorveteria em frente à praça da cidade. Tomamos um sorvete. Escutamos algumas buzinadas debochadas de alguns autos que reconheciam minha camisa.

Comprei remédio para enjôo na farmácia 24h. Infelizmente, eles não tinham nada para decepção, tristeza, e dor-de-cotovelo. (Eu perguntei!) Comemos um lanche no posto em que abasteci para voltar. A guria do caixa, inclusive, era amiga de um jogador do time de Uruguaiana.

A viagem de volta foi igual à ida. Voltamos ouvindo Inglaterra x Senegal pela Copa. Os guris aproveitaram para fazer um cochilo. Tudo ia bem. Até que passei por São Borja. Aí, recomeçou a BR-472.

Próximo de Itaqui, há um trecho em obras, e eu me esqueci na volta. Não há por onde escapar. É um buraco que cobre a estrada por toda a largura. Eu entrei com tudo. Furei um pneu. Sorte minha, consegui dirigir até um posto de gasolina.

O pessoal do Posto Buffon do trevo foi maravilhoso. Fizeram de tudo para me ajudar. Até conversar sobre futsal conversaram.

Trocamos o pneu. Ofereceram comida para mim e para os meus filhos. (Juro! O segurança disse que tinha preparado para ele, e tinha mais do que suficente para todos.)

Aí, fui ligar o auto. Nada. Pior. Tudo travado. O carro é eletrônico. Parecia que tinha pirado. Meu celular tinha dados os doces. O Waze consome horrores de bateria.

Nisso, o posto voltou a parar para me ajudar. Os clientes também. Celular emprestado. Avisei minha esposa do problema, acionei o seguro. Tudo certo. Checou-se o motor. Trocou-se idéias. Tudo isso enquanto esperava-se o guincho.

Se fez um control+alt+del no auto. Se desligou a bateria e se deu carga nela. Se religou a bateria. Girei a chave e… tudo voltou ao normal!

Aos trancos-e-barrancos, chegamos em casa eram 23h. O dia havia começado às 4h.

Minha esposa ria. Agora. Até aparecermos, ela estava preocupada. Mãe sofre! “Por outro lado, parece um daqueles filmes de Natal. Alguém tem um problema e a cidadezinha se junta para ajudar.

Tive que concordar com ela. E, diga-se, são esses tipos de programa que criam memórias. Os guris jamais esquecerão essa aventura.

Claro! Agora que já se riscou “viagem desastrada” da lista, espero que as próximas sejam mais ordeiras e sem sobressaltos.


[Narrador: “Não foram.”]

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