SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Dino: “Vão Perder”; Dilma: “Vai Todo Mundo Perder”

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

“Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder.” (D. Rousseff)


Nunca ficou tão claro o que está em jogo: de um lado, o amor democrático do governo popular; do outro, o ódio tirânico dos anarco-nazistas que maltratam crianças. Uma sociedade democrática, para sobreviver, precisa garantir para si o poder de combater o crime de quem se coloca contrário a ela. Mas não é preciso se preocupar. O ministro da Justiça garantiu que os opositores “vão perder”. A Dilma também acha…


PARTE I: TRANSCRIÇÃO

Seguem citação e transcrição completa de uma postagem no Twitter do ministro Flavio Dino – que, de tanto gostar, ele até retuitou:

A regulação das plataformas está sendo feita, por vários caminhos. É uma exigência que está na Constituição. Não podem continuar livres as violências contra crianças e adolescentes, a apologia ao nazismo, as indústrias de desinformação contra a saúde pública, entre outros crimes[.]”

Além do texto, a postagem ainda contém um vídeo no qual o ministro fala o seguinte:

É importante dizer à sociedade brasileira: nós temos três caminhos possíveis para esta regulação. Uma, que nós desejamos que chegue ao final, é a regulação pela lei; ou seja, por deliberação do Congresso Nacional. Se estes adeptos do faroeste digital conseguissem impor sua vontade ao ponto de impedir o processo legislativo, lembro que nós temos a regulação derivada de decisões administrativas, inclusive do Ministério da Justiça; e há regulação feita pelo Poder Judiciário no julgamento de ações que lá tramitam.

Então, que fique a mensagem consignada enfaticamente. Os adeptos destas práticas deletérias, nocivas, agressivas, imorais, perderão. Eles vão perder. Não sei se hoje, se amanhã, ou semana que vem, mas perderão.


Registro tudo para que não seja acusado de feiquenius, mas também porque, para mim, a coluna poderia terminar aqui. O recado está claríssimo.

Porém, sempre há quem queira saber a razão de eu achar isso tão importante. Para esses, explico da maneira mais breve que consigo. [Nota: trata-se de eufemismo para “textão”.]



PARTE II: COMENTÁRIO

Primeiro, o ministro ao falar sobre Projeto de Lei para regular discurso no espaço público parte da premissa que inexistiria qualquer regulação – apesar de isso ser uma exigência constitucional. As palavras dele: “É uma exigência que está na Constituição. Não podem continuar livres…

Mas seriam mesmo livres? Haveria desregulamentação? Comparemos os exemplos que ele traz com a legislação vigente:

I. “… violências contra crianças e adolescentes…
1) art. 5º da Lei 8.069/1990 (E.C.A.): “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
2) Art. 2º da Lei 13.431/2017: “A criança e o adolescente gozam dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhes asseguradas a proteção integral e as oportunidades e facilidades para viver sem violência e preservar sua saúde física e mental e seu desenvolvimento moral, intelectual e social, e gozam de direitos específicos à sua condição de vítima ou testemunha.

II. “… a apologia ao nazismo…
1) A Lei 7.716/1989define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.” O seu art. 20 proíbe “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.
2) O mesmo artigo também trata de atos realizados através de “meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza…” Recentemente, em 11 de janeiro último, sem polêmica alguma, a Lei 14.532/2023 alterou o referido artigo incluindo explicitamente “de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores” [como se essas não fossem “meios de comunicação social” ou “publicação de qualquer natureza…”]

Já há lei! Portanto, se hoje, como declara o ministro, haveria livres “… violências contra crianças e adolescentes…” e “apologia ao nazismo”, não o seria por falta de lei.

Isso é importante, pois, no vídeo, Dino se refere a “faroeste digital”, o qual só poderia ser combatido através de regulação. Contudo, a regulação já existe.

Sem entrar no mérito da existência ou não de tal “faroeste digital”, o argumento do ministro em favor do atual projeto regulatório é falacioso.

Todavia, há mais um ponto a se fazer. O ministro não fala somente em “faroeste digital”. Ele se refere a “adeptos do faroeste digital”.

Quem seriam esses? Para Dino, seriam aqueles que buscam, nas palavras dele, “impor sua vontade ao ponto de impedir o processo legislativo”. Noutras palavras, são todos aqueles contrários ao projeto de lei.

Segundo o ministro, todos contrários ao projeto de lei seriam “adeptos do faroeste digital… destas práticas deletérias, nocivas, agressivas, imorais”; ou seja, anarco-nazistas que maltratam crianças.

Repito: o ministro da Justiça Flavio Dino declarou que quem discorda dele sobre um projeto de lei que busca regular temas já regulados por outras leis é anarco-nazista que maltrata crianças. Tudo porque essas pessoas querem, segundo afirma o próprio ministro, “impor sua vontade”.

Convenhamos, trata-se, realmente, de um verdadeiro crime! Afinal, essa vontade é contrária à vontade do ministro Flavio Dino. Não pode.

Entendamos.



PARTE III: CONCLUSÃO

Flavio Dino é ministro da Justiça de um governo que representa o amor e a democracia. Ser oposição ao governo, pois, é ser defensor do ódio e da tirania. Isso não pode.

Tratam-se de posições insustentáveis numa sociedade democrática. Democracia exige consenso, concórdia, e deferência às autoridades. É, pois, evidente que um regime democrático deve silenciar tais vozes dissonantes.

É isso que está em jogo. Mas o ministro traz um recado otimista aos amantes democratas brasileiros: “… que fique a mensagem consignada enfaticamente. Os adeptos destas práticas deletérias, nocivas, agressivas, imorais, perderão. Eles vão perder. Não sei se hoje, se amanhã, ou semana que vem, mas perderão.

Portanto, ainda que a oposição consiga fazer valer sua vontade através dos meios institucionais democráticos da República, isso não é problema. Flavio Dino esclarece que a burocracia e o Judiciário têm poderes para impor o amor democrático por sobre a vontade tirânica e odienta dos representantes populares e de quem os apóia.

Eles vão perder.

É só o que importa: a vitória final do amor e da democracia segundo a concepção de Flavio Dino e quejandos por sobre as forças contrárias – as quais não têm lugar numa sociedade boa, bela, justa, perfeita, igual, amorosa, democrática, harmoniosa, livre, e sem nenhum espaço para opinião que não seja idêntica àquela dos governantes.

Preciso concordar com o ministro quando afirma: “Eles vão perder.” O resultado dessa luta me parece inevitável. Quem melhor expressou isso foi a companheira presidenta Dilma Rousseff: “Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder.

Realmente, ministro, “não sei se hoje, se amanhã, ou semana que vem, mas perderão.

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