SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Carnaval e o Calendário Tupiniquim

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

Por um calendário verdadeiramente brasileiro


¿E se o Brasil tivesse um calendário próprio, em conformidade como nós brasileiros somos e vivemos o ano? Pois agora tem. (Ainda que, por ora, só de brincadeira.) ¡FELIZ ANO NOVO!


Terça-feira, 39 de Verão de 523

Como anunciado no texto “Como Passou Rápido” de 9 de Natal último (02/01/2024), decidi voltar à coluna Feliz Ano Novo de 46 de Verão passado (20/02/2023). Afinal:

<<O ano no Brasil começa na Quarta-Feira-de-Cinzas e termina na terça de Carnaval. Há ainda uma temporada de festividades que coincide com o verão. Essa inicia-se com o Natal.

As festas seguem com o Ano Novo gregoriano, continuam por todo o janeiro, e invadem fevereiro [quando há uma tentativa forçada de reinício dos trabalhos; a qual sempre falha miseravelmente]. Essas só se encerram mesmo com a entrada da Quaresma já praticamente no outono.
>>

Em janeiro, eu refrisei ser necessário aceitar a “Temporada de Festas”, pois é preciso tanto “fazer as festas adequadamente” quanto “encarar o ‘tempo comum’ de maneira apropriada“. Essa é justamente a razão por que a humanidade estabelece calendários. No entanto, haveria uma inadequação do calendário gregoriano ao modo como os brasileiros em geral vivemos.

Destarte, resolvi fazer-me uma pergunta: ¿como seria um calendário que respeitasse a nossa brasilidade? Posta a dúvida, coloquei a imaginação a funcionar na tarefa de encontrar uma resposta.

Encontrei esteio na edição da Esmeril de Setimbro de 520 (setembro de 2020). Nessa, eu escrevera sobre “os dois Brasil”. Me convenci que um calendário tupiniquim deveria respeitar ambos. Foi o que fiz. Segue abaixo o resultado.

Reservei oito dos 12 meses (224 dias) para representar o Brasil “burocrático, legalista, formalista, controlador, moralista, ordeiro, e idealista”; meses tão organizados que poderiam muito bem ter sido criação do próprio Marquês de Pombal.

Todos têm o mesmo tamanho (28 dias, 4 semanas), e todos os dias do mês coincidem com o dia da semana (i.e., 1º, 8, 15, e 22 são domingos; 7, 14, 21, e 28 são sábados; etc.) Enfim, ¡uma beleza!

Como o ano ainda teria 12 meses, o Brasil “livre, mulato, sincrético, debochado, bagunçado, e hedonista” seria representado pelos 4 restantes; todos absolutamente diferentes uns dos outros.

Um mês tem 12 dias; outro, 46; e dois são completamente variáveis (indo de 20 até 64 dias). Admita-se, ¡uma pérola!


Grosso modo, as regras seriam estas:

I. O Ano Novo sempre ocorreria na Quarta-Feira de Cinzas [cuja data varia de 4 de fevereiro a 10 de março].
II. O primeiro mês terminaria no Sábado de Aleluia, tendo 46 dias de duração.
III. O segundo mês iniciaria no domingo de Páscoa.
IV. Do segundo ao nono mês, todos teriam apenas 28 dias [4 semanas] – com o 1º dia num domingo, e o 28º, num sábado.
V. O décimo mês teria uma quantidade variável de dias, sempre começando 32 semanas depois da Páscoa e encerrando-se na véspera de Natal.
VI. O décimo-primeiro mês seria o mais curto de todos, com somente 12 dias de duração, do Natal à véspera do Dia de Reis [ou seja, de 25 de dezembro a 5 de janeiro].
VII. O último mês sempre começaria no Dia de Reis e se encerraria na Terça-Feira de Carnaval, tendo, pois, também uma quantidade variável de dias.

O Calendário Tupiniquim seria assim em todo o seu esplendor:

1. Quaresma, 46 dias

2. Segumbro, 28 dias
3. Tercembro, 28 dias
4. Quartubro, 28 dias
5. Quintubro, 28 dias
6. Sextubro, 28 dias
7. Setimbro, 28 dias
8. Oitavubro, 28 dias
9. Nonubro, 28 dias

10. Primavera, de 20 a 54 dias
11. Natal, 12 dias
12. Verão, de 29 a 64 dias


Algumas objeções são óbvias. Já respondo aqui algumas.

Como a data de ano novo sempre muda, os anos teriam tamanhos bastantes diferentes. A variação no tamanho dos anos, entretanto, não é problema. Entre um Natal e outro, a quantidade de dias seria praticamente sempre a mesma [desconsiderando anos bissextos, por óbvio]. Aqui também os dois Brasil são representados formando uma bagunça ordeira.

Portanto, anos contábeis e anos escolares, por exemplo, poderiam simplesmente respeitar o calendário de Natal a Natal [ou, melhor dizendo, de Natal (mês 11) à Primavera (mês 10)], os quais concidem com o calendário gregoriano. Na prática, para esses, apenas se mudaria o começo dos anos – do dia 1º de janeiro [ou 8 de Natal (8.11)] para o 25 de dezembro [ou 1º de Natal (1.11)]. É uma alteração de míseros 8 dias.

É fato que as aulas começariam muitas vezes antes do Ano Novo. Porém, ¡isso é já é assim! A diferença é somente que passaria a ser oficial. Ao fim e ao cabo, tenho certeza, a adaptação seria rápida e praticamente indolor.

Os nomes dos meses foram escolhidos para tornar mais evidente cada período do calendário:
a) o período da Quarta-Feira de Cinzas ao Sábado de Aleluia já é conhecido como Quaresma – logo, de aí o nome do mês;
b) os meses “pombalinos” (de Segumbro a Nonubro) seguem a lógica dos nomes dados a setembro, outubro, novembro, e dezembro no calendário gregoriano [Usei os números cardeais para ficar diferente. Outrossim, percebei que não haveria mais esse absurdo de o mês 9 ser SETEmbro; de o mês 10 ser OUTUbro; de o mês 11 ser NOVEmbro; e de o mês 12 ser DEZembro. O nome e o número dos meses passariam a ter correspondência.];
c) o mês de Primavera normalmente coincidirá com a primavera – porém, mais importante, tratar-se-ia de um mês de transição entre o “Tempo Comum” (de Quaresma a Primavera) e a “Temporada de Festas” (do Natal ao Carnaval), e transição é típico da primavera;
d) o mês de Natal, creio, dispensa explicações – as festas já abrem com o Natal, e isso ficaria mais evidente; e, por fim,
e) o mês de Verão coincide muito com o verão astronômico, é efetivamente o período atual de festejos, e o nome ainda combina com o de Primavera – ainda mais sendo ambos os meses de tamanho variáveis do novo calendário.

Admito. A proposta até se parece um pouco com aquela dos revolucionários franceses que criaram um calendário novo para a França.

Todavia, só parece. Não há nada de científico, de anti-religioso, e nem sequer de novo ou de baseado num “dever-ser”, nesta construção.

É verdade que o calendário deixa de ser diretamente cristão, ao se adotar como marco zero o descobrimento do Brasil em 1500. O próximo ano, por exemplo, seria 524 d.C. [depois de Cabral]. Porém, sendo o Brasil um império ecumênico sincrético católico, as datas de referência do calendário seguem sendo cristãs [Natal, Quarta-Feira-de-Cinzas, Páscoa], como muitas no calendário gregoriano.

Portanto, o novo calendário, diferentemente daquele francês, não chega a negar Cristo. O calendário tupiniquim tão somente O abrasileira; reconhecendo o que já todos sabemos: Deus é brasileiro.

Ademais, o calendário francês se baseava num “homem novo”. Já o calendário proposto, esse busca respeitar a forma como nós brasileiros já vivemos o ano. De todas, essa seria a principal diferença.


Não sei quanto a vós, leitores, se é que conseguistes chegar até aqui, mas apesar de ser apenas o exercício inútil de uma mente inquieta, vos confesso, eu gostei do resultado…

Por isso que resolvi dividi-lo convosco.

¡FELIZ ANO NOVO TUPINIQUIM!


P.S.: Caso ainda haja curiosos sobre o tema, eis como ficariam algumas datas importantes:

Ano Novo: 1º de Quaresma (1.1)
Descobrimento do Brasil: 36 de Quaresma (36.1) – [do ano 0]
Páscoa: 1º de Segumbro (1.2)

Dia do Trabalhador: 2 de Tercembro (2.3) – [pois 1º de maio cai sempre em Tercembro]
Abolição da Escravatura: 13 de Tercembro (13.3)
Pentecostes: 22 de Tercembro (22.3)
Corpus Christi: 5 de Quartubro (5.4)
Independência do Brasil: 14 de Setimbro (14.7)
Natal: 1º de Natal (1.11)
Dia da Terra [Ano Novo Gregoriano]: 8 de Natal (8.11)
Dia de Reis: 1º de Verão (1.12)

Chegada da Família Real ao Brasil: 17 de Verão (17.12)

Outras datas teriam que ser determinadas, evidentemente. Poderiam, inclusive, continuar respeitando o calendário gregoriano e tornar-se móveis no calendário tupiniquim.


P.P.S.: O calendário de 524 (385 dias)

1. Quaresma (46 dias): de 14/02 a 30/03
2. Segumbro (28dd): de 31/03 a 27/04
3. Tercembro (28dd): de 28/04 a 25/05
4. Quartubro (28dd): de 26/05 a 22/06
5. Quintubro (28dd): de 23/06 a 20/07
6. Sextubro (28dd): de 21/07 a 17/08
7. Setimbro (28dd): de 18/08 a 14/09
8. Oitavubro (28dd): de 15/09 a 12/10
9. Nonubro (28dd): de 13/10 a 09/11
10. Primavera (45dd): de 10/11 a 24/12
11. Natal (12dd): de 25/12 a 05/01
12. Verão (58dd): de 06/01 a 04/03

–> Para opiniões e questões, basta escrever nos “Comentários” abaixo.

3 COMENTÁRIOS

  1. ANIVERSÁRIOS

    A propósito, eu teria nascido em 13 de Nonubro de 480. Aniversários são uma questão interessante. ¿Quando celebrá-los?

    Para os nascidos entre 25/12 e 03/02 [ou, no tupiniquim, de 1.11 a 29.12], não há problema algum. Nesse período de 41 dias, os calendários coincidem.

    Já os nascidos nos dias móveis de Primavera e Verão, existe a questão de tais dias não ocorrerem em todos os anos. Acho que funcionaria como os nascidos em 29/02, que celebram no último dia do mês ou no 1º do seguinte. A diferença é que também poderiam celebrar na data gregoriana correspondente.

    Celebrar da data gregoriana correspondente, aliás, é uma opção. No meu caso, onde caísse o 31 de outubro. Porém, me parece mais correto que eu comemorasse a cada 13 de Nonubro, respeitando o calendário tupiniquim.

    • ¡¡¡Hahahahaha!!! Obrigado, Rubens. Não sei se precisa estofo, mas com certeza demanda certo grau de loucura. 😀

      Chê, para questionar, é preciso pensar em como vivemos o ano e imaginar como seria se o calendário fosse esse. As perguntas surgiriam naturalmente.

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