SANTO CONTO | O adeus da Irmã Josefina

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Em memória de Santa Josefina Bakhita

O médico deixou o quarto com um olhar significativo para a Madre Superiora. Lá fora, ele lhe diria que Irmã Josefina, a doente que agonizava na cama, estava desenganada. Seu quadro evoluíra e a tuberculose estava em seu estágio final. Era questão de dias ou horas.

Lá dentro, a pobre Irmã Morena, como era conhecida, já não tinha forças para falar, e orava mentalmente entre uma crise de tosse e outra, entre uma e outra cusparada de sangue. Era assistida por uma irmã que lhe fazia as vezes de enfermeira, e outras duas, muito queridas suas, que com a autorização da Superiora ficavam ali quase o tempo todo, orando em silêncio.

Quando a Superiora voltou para acompanhar as duas em oração, Irmã Josefina estava tendo uma nova crise de tosse, bem violenta, a irmã enfermeira se esforçava para acudi-la. Só quando a crise cessou e a doente caiu extenuada, ela conseguiu limpar da melhor maneira que pôde o sangue que respingou pelas roupas da pobre irmã. Quando terminou, passou sobre a testa da doente uma toalha umedecida e sentiu o quanto seu corpo queimava em febre alta. Trocou um olhar com a Superiora, ambas sabiam que seria logo. Pôs-se em oração também, mas vigilante.

No entanto, dali a pouco Irmã Josefina abriu os olhos com nova disposição. Sorriu para as amigas que velavam por ela e até conseguiu pronunciar algumas palavras, que se perderam no ar de tão fracas. Depois ficou ali, a conversar com elas com olhares e sorrisos, contente. Mas logo começou a sentir um mal-estar, um calafrio na espinha, uma moleza por todo o corpo, o coração acelerado e a visão turva. Viu então o quarto escurecer e todo o cenário ao seu redor ficar distorcido, e foram-se fazendo nítidas em sua mente as lembranças do tempo em que fora escrava. Podia sentir, como acontecia nessas ocasiões, a pressão dos grilhões nos pulsos e tornozelos, o ferro em brasa que lhe marcara a pele, a dor aguda do chicote nas costas, as pauladas e pancadas por todo o corpo, o medo e o terror intensos por que passara por quatorze anos de sua vida, um horror que jamais deixara de acompanhá-la, e que agora vinha tomá-la de assalto em seus últimos instantes.

Com a voz restaurada como que por milagre, ela berrava e urrava na cama, enquanto se debatia com uma força descomunal. As quatro irmãs tentavam contê-la sem muito sucesso, enquanto outras se atopetavam na porta do quarto, olhos arregalados e mãos sobre as bocas, jamais haviam presenciado uma crise de nervos tão violenta da Irmã Morena. A doente parecia passar por um terror sem fim, até que, de repente, parou e caiu de braços abertos. As quatro irmãs, exaustas, viram que ela olhava maravilhada para o teto, um sorriso largo e os olhos fascinados. Mas, na verdade, ela não olhava para o teto, mas para Nossa Senhora, que, cheia de esplendor, lançava-lhe um sorriso e um olhar maternal enquanto lhe estendia a mão, e lhe chamava:

– Não tenhas mais medo, filha. Vem!

As irmãs ouviram-na então pronunciar sua última palavra, “Mãezinha!”, e depois ela fechou os olhos. Quando os abriu, viajava de mãos dadas com a Mãe de Deus rumo ao Céu.


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