RESENHA | Escuridão

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

Contos brasileiros

Enquanto Arte, cabe à Literatura apreender e codificar as experiências reais de uma comunidade a fim de, dotadas de significado reconhecido por todos, repassá-las à posteridade. É assim que conhecemos aspectos da complexa sociedade grega por Homero, da agitada sociedade russa por Dostoiévski, da surpreendente sociedade francesa por Balzac ou da singular sociedade brasileira por Machado de Assis. É evidente, no entanto, que o aspecto universalizante das grandes narrativas é o que as eleva àquela perenidade que resiste à ação do tempo. Mais do que meramente contar histórias, a Literatura submerge o leitor num oceano de possibilidades existenciais reais.  

Contudo, não são apenas os grandes romancistas, aqueles consagrados pela crítica, que detêm o poder de surpreender o leitor com choques de realidade. Não. Cronistas e contistas, comprometidos com as narrativas sobre a condição humana – com todas as suas sutilezas e mistérios –, também podem encantar o leitor. Mas não só. Podem ensiná-lo sobre a sua própria condição, dar pistas sobre os segredos da alma e os mistérios que cercam o leitor. Não é exagero. Ademais, às vezes os próprios autores confessam, depois de relerem as suas obras ou deterem-se com resenhas sobre elas, que eles mesmos descobriram coisas novas em suas próprias criações; encontraram novas perspectivas através das quais vislumbraram elementos que, no processo de criação, estavam ocultos – passaram para o papel ocultos da visão do próprio escritor.  

Hoje no Brasil, mais do que as complexas – e controversas — personalidades políticas, mais do que os conflitos sociais — não criticados, senão louvados pela mídia –, mais do que a tacanha realidade delimitada pelas manchetes dos jornais, urge a atuação de escritores que se comprometam, diante da Eternidade, a narrar a vida real. E real aqui, é necessário explicar, abrange também o mistério; o mistério das relações, dos diálogos, das correspondências de ideias e impressões sobre a existência que, no processo de escrita, frequentemente caem no compartimento das coisas não ditas porque subentendidas.  

A coletânea de contos de Davi Kaptzki sob o título de “Escuridão” transmite ao leitor doses deste choque pelo subentendido. Neste surpreendente livro composto por quatro contos – com gosto de roteiro de cinema –, paira um convite à reflexão. Um conflito aparentemente vulgar pela melhor mesa de um restaurante põe em campo de batalha duas oponentes com justificativas inesperadas; uma idosa aparentemente senil vê-se privada do seu mundo quando entra para um asilo onde descobre um mundo novo que abrange, inclusive, os mistérios do seu mundo antigo; e um devoto pentecostal que sustenta a preciosa família com o salário de garçom vê-se diante dos maiores questionamentos de toda a sua vida quando o inimaginável acontece.  

 Mas é o conto que dá nome à coletânea a narrativa mais surpreendente. “Escuridão” é uma história digna de roteiro de um curta-metragem com potencial para causar grande impacto psicológico. E mais. A exposição conduz o leitor através de um cruzamento de impressões, sensações, dúvidas, receios, medos, repugnâncias, assombros e expectativas arranjadas de tal forma a fazer ressoar o que está escrito nas entrelinhas. Assim como o conto sobre as angústias do pentecostal, “Escuridão” dá mostras perfeitas da realidade brasileira, desta nossa realidade cotidiana tão eloquente, mas que ainda carece de bons contadores de histórias. Os saracoteios de macumbeiros e pentecostais podem ser vistos aqui, enquadrados num panorama que busca retratar aspectos da alma do brasileiro que ainda não foram representados pela Literatura contemporânea. A leitura vale muito a pena.  

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