Elevam meu pensamento a Deus os mais variados motivos. A beleza e a feiura, a inteligência, a falta de inteligência, o vertiginoso aumento do número de cretinos, a aparente extinção das pessoas normais, a querela dos universais, a Fortuna, a incomunicabilidade entre os sexos, a ousadia de Satanás. Enfim, perplexidades da Criação. E foi em reflexões dessa natureza que percebi com um pouco mais de clareza a experiência mística oferecida pela paternidade; é uma forma facilitada de viver uma amostra das virtudes teologais.
O amor é fácil de explicar. Para os incautos, os bebês nascem terrivelmente feios. A famosa cara de joelho é um eufemismo; ora, joelhos são muito mais simpáticos. A cor também impressiona. Num misto de orgulho e apreensão, pensei “Sou pai do Krishna” quando vi aquele menino sair azul. Fora a circunstância do nascimento. Um parto (só metafórico no meu caso, graças a Deus). Ryan Reynolds disse que teve uma revelação quando viu a filha pela primeira vez. Ele usaria, sem hesitar, a mulher – a pessoa que mais amava – como escudo humano para proteger a pequena caso fossem atacados. Isso não é pouco amor.
A fé é imprescindível. Concordo com Leibniz, mas acabo agindo como Voltaire. Ataques de tubarão, queda de meteoros, abduções extraterrestres, epidemias, areia movediça, sociedades secretas, satanistas, tarados (sim, eles de novo), cidadãos politizados (sim, eles especialmente); o melhor dos mundos possíveis é um lugar bastante inóspito. Cada passeio no parquinho é uma oportunidade para uma profusão de coisas esdrúxulas que podem acontecer (e que devem ter acontecido com alguém). “O homem é lobo do homem”, cantou o filósofo cearense. Apesar disso, a humanidade sobreviveu até o presente momento, com inúmeras gerações sucedendo umas às outras. Aparentemente as coisas dão certo. Tomados os cuidados mínimos – mergulhar a criança no rio Estige, por exemplo –, é a fé que protege o desguarnecido calcanhar.
E a esperança, por sua vez, fornece a energia para continuar. Não há convicção mundana que resista às inúmeras dificuldades diárias; parece o caso de Jó. Mas, quando menos esperamos, o milagre acontece. Há dias que eu vinha repetindo para meu filho comer com calma. Não sei por que na hora de comer ele resolveu alternar entre a letargia profunda e a velocidade da luz. Num jantar, incomodada com um surto de lentidão do menino, minha sogra (sim, ela de novo) tentou ajudar. “Seu irmão vai terminar antes que você!” Suspirei; trabalho de dias sacrificado por um comentário infeliz. E então ouço uma voz infantil, carregada de sabedoria, responder placidamente: “Não é corrida.” Senti que estava naquelas cenas de filme em que o explorador buscara um animal mítico a vida toda e o encontrou por acaso. Eu mal respirava, com medo de romper o equilíbrio sutil que sustentava aquele instante. Só depois do “Nossa! Depois dessa eu sairia correndo” espirituoso da minha mulher que eu me dei a liberdade de esboçar um pequeno sorriso de felicidade. Nem tudo está perdido.
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