LAWRENCE MAXIMO | Anjo de Hamburgo: brasileira que salvou judeus do Holocausto

Lawrence Maximus
Lawrence Maximus
Mestre em Ciência Política (ESP). Cientista Político, Teólogo e Professor. Especialista em Israel e Oriente Médio.

O Dia Internacional da Lembrança do Holocausto, 27 de janeiro, está se aproximando. Neste artigo, quero trazer à memória uma heroína brasileira pouco conhecida, para honrá-la e consolidar uma máxima na história da humanidade: “Heróis nascem em tempos de guerra”.

O Brasil também teve sua heroína dos tempos do Holocausto. Trata-se de Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa (1908-2011), que, como chefe da Seção de Passaportes do consulado brasileiro em Hamburgo, na Alemanha, conseguiu liberar vistos para judeus fugirem da perseguição nazista.

No Brasil daquele período, estava em vigor a Circular Secreta 1.127, uma lei que restringia a entrada de judeus no país. Quando despachava com o cônsul geral, Aracy simplesmente ignorava essa legislação, colocando os pedidos de judeus em meio à papelada para que fossem aprovados automaticamente pelo diplomata, sem questioná-la. Sabe-se que Aracy salvou 17 famílias do nazismo.

Mas a quantidade pode ser bem maior. De acordo com a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, coordenadora do LEER (segundo pesquisas do Arquivo Virtual Arqshoah: Holocausto e Antissemitismo, do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação da USP), o número total de judeus salvos pode vir a ser revelado em novos depoimentos de sobreviventes e familiares – algo que ela coleta sistematicamente em seu trabalho de pesquisa.

“Os testemunhos registrados pela nossa equipe indicam que corria a notícia entre os judeus que fugiam das perseguições nazistas de que Aracy facilitava a liberação dos vistos para o Brasil. Uma das táticas adotadas para camuflar suas ações era a de omitir o carimbo da letra J, em vermelho, nos passaportes, marca imposta pelo governo alemão como forma de identificação do judeu, classificado como ‘raça inferior’. Ao misturar tal documentação entre os papéis a serem assinados pelo cônsul, Aracy procurava não deixar vestígios que os comprometessem. Era um risco, mas não foi o único. Aracy, em diferentes momentos, assumiu tarefas perigosas, escondendo e transportando judeus à noite em seu carro, como narrado por alguns sobreviventes”, relata a pesquisadora.

Segundo pesquisadora, Aracy omitia o carimbo da letra J, em vermelho, nos passaportes, usada para identificar judeus. Foto: Acervo D. Alexander/RJ; Arqshoah/Leer-USP

Diretora do Museu Judaico de São Paulo, a historiadora Roberta Alexandr Sundfeld concorda que devem ser mais os beneficiados pela brasileira. “Como ela não deixou traços de suas atividades – só ficamos sabendo por depoimentos muitos anos depois – é bem possível que haja outros benfeitores”.

“Foi uma mulher bem corajosa. Filha de mãe alemã, ousou peitar o governo Getúlio Vargas viabilizando vistos para refugiados judeus do nazismo”, comenta o historiador Reuven Faingold, PhD em História do Povo Judeu pela Universidade Hebraica de Jerusalém e diretor educacional do Memorial da Imigração Judaica e do Holocausto em São Paulo. “Sabemos que são poucos os brasileiros que afrontaram com tanta determinação e coragem a política acentuadamente antissemita disseminada pelo governo Vargas”.

Apelidada de O Anjo de Hamburgo, Aracy foi reconhecida em vida pelo Yad Vashem, o memorial do Holocausto em Israel. Em 8 de julho de 1982, teve seu nome incluído no Jardim dos Justos – honraria que coube a apenas mais um brasileiro, o diplomata Luiz Martins de Souza Dantas (1876-1954), que atuava na França durante a Segunda Guerra. Em 1993, ambos também foram lembrados pelo Memorial do Holocausto em Washington.

Na entrevista à RFI Brasil, a historiadora Mônica Schpun lembra que existem atualmente pouco mais de 20 mil ‘justos’ reconhecidos no mundo. E na região das Américas, apenas seis, dos quais dois são brasileiros: O ex-embaixador do brasil em Paris, Luiz Martins de Souza Dantas, e Aracy de Carvalho.  

“O Brasil precisa de mais personagens desse tipo, que dão uma dimensão não só nacional, mas internacional. A gente deve se orgulhar. Acho que é importante para um país, para um povo, de poder se orgulhar internacionalmente de ter uma personagem como essa”, afirma a historiadora.

Heróis nunca morrem…

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1 COMENTÁRIO

  1. Principalmente aos jovens precisava ser mostrada a história recente de nossa civilização, com suas luzes e trevas. Não é à toa que há tantos filmes sobre a II Guerra. Mas é preciso fazer a reflexão sobre os acontecimentos, papel do historiador.

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