ISRAEL SIMÕES | Sororidades tardias

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

No último dia 07 de agosto, a Rede Globo transmitiu a 38ª edição do show Criança Esperança. Com uma lista de atrações que incluía mc’s, rappers e funkeiros, faltou criança e faltou esperança, exceto por um detalhe: o momento nostalgia criado pela união de Xuxa, Angélica e Eliana no mesmo palco. Juntas elas relembraram sucessos musicais dos programas de auditório que marcaram a infância de muita gente nos anos 2000, como “Vou de táxi”, “Dedinhos” e “Lua de Cristal”.

Para sermos mais sinceros, ninguém lembra mais dessas músicas, nem daqueles programas tediosos que só suportávamos porque eram intercalados com ótimos desenhos. É a própria mídia que insiste em tornar Xuxa, por exemplo, uma eterna “rainha”, criando um falso clima de saudosismo alimentado por artistas bajuladores que fazem de tudo por uma fotinha ao lado dos poderosos nomes do Projac.  

Mas acredite, teve coisa bem pior do que os hits água com açúcar entoados 100% com playback. Não falo dos rostos lotados de botox que quase pediam crachá para serem reconhecidos, nem de Dona Veveta forçando emoção para fazer o encontro das ex-rivais parecer “histórico”.

O que chamou a atenção de fato foi o discurso de Eliana.

Usando um blaser aberto com sutiã e barriga à mostra, ela entrou no cenário cercada de dançarinas com figurinos de cabaré, cantou três frases e emendou uma rima estranha de amizade com irmandade com solidariedade com…SORORIDADE. E o que se seguiu ali foi mais um palanquezinho para a agenda feminista, em plena campanha pelos direitos da criança e do adolescente.

Segundo Eliana, tentaram (quem?) colocar as antigas apresentadoras como inimigas, mas não funcionou, porque mulheres se juntam e unem forças blábláblá. Fiquei me perguntando: se é assim mesmo que funciona, se mulheres são solidárias com o sucesso uma das outras, por que as bonitonas não se juntaram 30 anos atrás? Por que não lutaram pela sororidade quando estavam no auge, à vista do grande público, tendo infinitamente maior influência e audiência, à época, do que neste programinha arrastado madrugada afora?

“Ah, porque na época o feminismo não era bem aceito na indústria do entretenimento”. Mentira: em 1955, muito antes de surgirem as paquitas, fadas belas e melocotons, a senhora Hebe Camargo já apresentava o programa “O Mundo é das Mulheres”, surfando na segunda onda dos movimentos de igualdade de gênero. O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, é de 1949.

A resposta, na realidade, é muito simples: não teve sororidade porque as três loirinhas eram JOVENS.

Jovens competem entre si por espaço, poder, dinheiro, fama. Dotados dos melhores atributos individuais que a vida pode nos oferecer, eles até criam grupos e comunidades de fidelidade, mas que nunca foram caracterizados por uma guerra de sexos. Pelo contrário: homens disputam entre si por mulheres e território. Mulheres, vice-versa.

Outro dia, conversando com minha esposa, lembramo-nos que eu não despertava muito o interesse das meninas quando era adolescente, provavelmente por ser pobre, magro e feio. Até começar a namorar. Tão logo eu e minha esposa demos início a um rolo, dando-me a oportunidade de demonstrar ao entorno que poderia atrair uma mulher, de fato passei a atrair, percebendo uma drástica mudança de comportamento das amigas e conhecidas no trato pessoal comigo.

Um homem é de fato percebido como homem quando passa a ser disputado por mulheres.

Outro fenômeno bastante evidente é a desfeita de amigos entre si. Podem ser grandes parceiros, companheiros para toda hora, os meninos sempre encontrarão um jeito de depreciar seus pares com piadas sobre músculos, tamanho do pênis ou habilidades no futebol. Entre as mulheres pode ser ainda pior, porque tendo mais elementos estéticos imediatos para avaliar, elas podem se envolver em fofocas e intrigas que literalmente minam as amizades.

Sororidade não faz sentido para mulheres jovens. Quando algumas conquistas já parecem consolidadas e algumas derrotas irreversíveis, aí sim é que as mulheres vão adotar esta postura humilde de “ninguém solta a mão de ninguém”.

A verdade é que Xuxa, Angélica e Eliana não resistiram à inimizade, mas alimentaram-se dela, disputando espaço e oportunidades quando possuíam beleza e carisma para atrair público e patrocínio. Agora que estão velhas, que ninguém mais quer saber, irão lutar contra o esquecimento somando as suas ignoradas presenças, reunindo os cacos que restam de memórias vivas, como vovós que precisam gostar de excursões porque seus maridos já partiram e suas noras não as querem por perto.

Se a esperança da criançada depender do empoderamento feminino, pode esquecer essa história de que a educação é o futuro. No feminismo as garantias são mais prováveis na hipocrisia.

Reine sem ter súditos, cante sem ter talento e finja derrubar o sistema patriarcal que, um dia, cometeu a infelicidade de te colocar sobre um palco.

Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2023

1 COMENTÁRIO

  1. Leitura precisa Israel, uma grande peça que vai sendo adaptada ao tempo mantendo a ilusão que sempre o final é feliz, pensar em todo esse esforço para manter imagens e promover agendas a custo de inserir manter e servir de referência para tantos jovens ao longo do tempo. Finalmente esse deve ser o penúltimo grande encontro, o último ficará reservado a parentes e amigos mais próximos…

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor