OSWALDO VIANA JR. | Henri Nouwen: em nome de Jesus

Oswaldo Viana Jr.
Oswaldo Viana Jr.https://oswaldoviana.substack.com/
Historiador, escritor e tradutor. Autor de "Deus na escola pública: a polêmica do ensino religioso no Brasil"

O sacerdote católico holandês Henri Nouwen (1932-1996), escritor best-seller, publicou um pequeno livro intitulado Em nome de Jesus: reflexões sobre a liderança cristã, uma das mais extraordinárias reflexões já feitas sobre o tema, em todos os tempos

Em seu livro, publicado no Brasil no início deste ano, padre Nouwen discorre sobre as descobertas que ele fez em sua vida e sacerdócio, a partir do momento em que, discernindo o chamado de Deus, decidiu abandonar uma bem-sucedida carreira de professor de Teologia nas melhores universidades americanas para tornar-se capelão de uma comunidade de deficientes mentais no Canadá, indo morar com eles.

O livro é a transcrição de uma palestra que o autor proferiu na capital dos Estados Unidos no ano de 1989. O fato mais marcante dessa palestra foi a participação, ao lado do conferencista, de um dos internos de sua comunidade, portador de severas limitações mentais, que por diversas vezes fazia apartes aleatórios ao palestrante.

No evento, Henri Nouwen falou sobre as três tentações que todo aquele que se envolve com o serviço cristão (não apenas o sacerdócio) enfrenta: a tentação de causar impacto, de ser “importante” pelas obras que realiza; a tentação de adquirir popularidade, de ser espetacular; e a tentação de ser poderoso. Ele associa essas três tentações às que Jesus, o Messias, sofreu no deserto: “Se és o Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães”; “Se és o Filho de Deus, atira-te do pináculo do Templo”; e: “Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares”.

Nouwen contrasta essas tentações com a conversa de Cristo com Pedro, após a Ressurreição: “Pedro, tu me amas? (…) Apascenta as minhas ovelhas (…) Quando eras mais moço, tu te cingias a ti mesmo e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás as tuas mãos e outro te cingirá e te levará para onde não queres”. Ele escreve:

O caminho do líder cristão não é o caminho da ascensão, no qual o mundo atual investe tanto. É o caminho descendente, que termina na cruz. Uma das maiores ironias da história do cristianismo é que os seus líderes constantemente caíram ante a tentação do poder – poder político, poder militar, poder econômico, ou poder moral e espiritual – muito embora continuassem a falar no nome de Jesus, que não se apegou ao seu poder divino, mas esvaziou-se a si mesmo e tornou-se como um de nós. A tentação de considerar o poder um instrumento apto para a proclamação do Evangelho é a maior de todas.
Estamos sempre ouvindo de outros e dizendo a nós mesmos que ter poder (desde que o usemos no serviço de Deus e em favor dos seres humanos) é uma coisa boa. O que torna a tentação do poder aparentemente tão irresistível? Talvez porque o poder ofereça um fácil substituto para a difícil tarefa de amar. Parece mais fácil ser Deus do que amar a Deus, mais fácil ser dono da vida do que amar a vida. Jesus pergunta: “Você me ama?” Nós perguntamos: “Podemos sentar à tua direita e à tua esquerda no teu reino?”

Contra essas tentações, o autor aponta três disciplinas: oração, confissão e perdão, além de reflexão teológica: “Assim como a oração nos mantém ligados ao primeiro amor, e a confissão e o perdão tornam o nosso ministério mais recíproco, a intensa reflexão teológica igualmente nos fará discernir, com senso crítico, para onde estamos sendo guiados”.

É tocante a maneira como Nouwen inicia sua preleção, narrando como foi chocante para ele, no começo, ir morar num lugar em que a afeição ou a antipatia dos residentes por ele não tinha absolutamente nada a ver com as muitas coisas boas que ele havia feito até então:

Como nenhum deles podia ler os meus livros, estes não podiam impressioná-los, e como a maioria deles nunca havia ido à escola, os meus vinte anos em Notre Dame, Yale e Harvard não me proporcionaram uma apresentação especial. (…) A incapacidade de usar quaisquer das habilidades que me foram úteis no passado era uma verdadeira fonte de ansiedade. De repente, eu estava às voltas com a minha própria nudez.

Porém, segundo Henri Nouwen, o que realmente fez toda a diferença naquele evento em Washington DC foi a presença de Bill Van Buren – o deficiente mental – ao seu lado, arrumando as folhas de papel que ele lia para a platéia e fazendo breves intervenções, com simplicidade e naturalidade. Quando Nouwen terminou sua apresentação, Bill pediu a palavra e disse ao microfone, com toda sua dificuldade de expressão: “Da última vez, quando Henri foi para Boston, levou John Smeltzer. Desta vez, me chamou para vir com ele para Washington, e estou muito contente por estar aqui com vocês. Muito obrigado”. Após isso, “todos se levantaram e lhe deram calorosos aplausos”.

Na viagem de volta a Toronto, Bill tirou os olhos do seu livro de palavras cruzadas que leva para todo lugar que vai, e me disse: “Henri, você gostou da nossa viagem?” “Oh, sim”, respondi. (…) Bill olhou para mim atentamente e disse: “E nós a fizemos juntos, não fizemos?” Aí então compreendi de forma mais completa as palavras de Jesus: “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles”.
No passado, sempre fiz conferências, sermões, palestras e discursos sozinho. E sempre perguntei a mim mesmo quanto do que foi dito seria lembrado. Agora, comecei a compreender que provavelmente pouco do que eu dissera seria lembrado, mas que o fato de Bill e eu termos feito tudo juntos não seria facilmente esquecido”.

É difícil exprimir numa breve resenha toda a riqueza destilada nas 80 páginas deste pequeno grande livro. Concluo, então, com as palavras do autor, ainda no prólogo:

Também cheguei a compreender que não deveria me preocupar com o amanhã, com a próxima semana, com o próximo ano ou com o próximo século. Quanto mais disposição tivesse para examinar honestamente o que estava pensando, dizendo e fazendo no momento, mais facilmente entraria em contato com o mover do Espírito de Deus em mim, guiando-me para o futuro.
Deus é um Deus do presente, e Ele revela àqueles que realmente querem discernir o tempo atual os passos que devem tomar em direção ao futuro. “Não se preocupe com o amanhã”, disse Jesus, “porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal”.

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