FILOSOFIA INTEGRAL | Espiritualidade e Inteligência

O Renascimento ocidental mudou a visão que se tinha sobre a natureza. Esta que antes era tida como um símbolo da realidade transcendente, foi tomada como realidade autônoma. As coisas do céu foram deixadas para o céu e perdeu-se a conexão notável entre o reino de Deus e a vida no mundo.

Ao afastar a divindade dos negócios terrenos, restou aos homens confiar a si mesmos a interpretação da natureza e e sua investigação. Sem a ajuda divina, puseram-se sob o guiamento da Razão, a quem passaram a confiar inteiramente.

No ápice desse iluminismo, importava o cálculo humano, enquanto a fé ficou relegada ao campo da irracionalidade. Mesmo pensadores piedosos, como Kierkegaard, tomaram o transcendente como inacessível à razão, aberto somente à intuição, ao salto de fé.

O ponto de vista moderno separou o espírito da razão, colocou-o ao lado da fé e tratou-o como algo apartado da inteligência. As “coisas do espírito” foram afastadas das discussões científicas,  por fazerem parte daquela área de nossas vidas que não se desenvolve pelo intelecto. Como dizem: para o espírito não há lógica.

Engana-se, porém, quem acredita que a modernidade simplesmente inverteu uma visão medieval deturpada. Na Idade Média, a natureza era tomada por simbolo da transcendência, todavia, sem jamais perder a confiança na razão. As coisas do céu estavam imbricadas com as da terra, prevalecendo uma certa harmonia entre misticismo e racionalismo. O que a modernidade fez foi quebrar essa harmonia, exaltando a razão e relegando o místico para uma zona obscura, já não mais acessível pela inteligência.

O desprezo moderno pelas coisas do espírito gerou, então, um preconceito inverso, fazendo com que os homens “espirituais” passassem a rejeitar a racionalidade como algo frio, distante e até perigoso. Nasce, assim, a desconfiança, entre os místicos, em relação aos estudos sistematizados,  ao conhecimento ordenado e até ao dogma.

O erro da Modernidade foi ter esquecido que  o espírito não se contrapõe à razão, mas pressupõe-na; que o espírito é, na verdade, o ápice da razão.

Espiritual é a capacidade humana de, conscientemente, considerar a existência, julgando-a, discernindo-a, criticando-a, a fim de instalar-se nela — algo que todo ser humano, em algum nível, faz. Por isso, os homens são espirituais por natureza.

A capacidade espiritual, porém, não é um estado fixo, imóvel, mas puro movimento. Ela é um processo dinâmico que pode manifestar-se desde a mera reação ao entorno, até uma reflexão totalmente desapegada da transitoriedade material.

Todavia, não é possível, para os homens, apenas reagir à matéria, como os animais, ou desapegar-se totalmente dela, como os anjos. Todo o movimento espiritual se dá entre esses dois extremos.

Na linguagem religiosa, são carnais aqueles que se deixam influenciar demais pelas forças inferiores, e espirituais ou pneumáticos aqueles que conseguem, o máximo possível, ignorá-las. São estados dinãmicos e móveis.

De qualquer forma, o movimento espiritual jamais ocorre sem a participação da consciência, a consciência pressupõe a inteligência e a inteligência não pode abrir mão da racionalidade. Sendo assim, a compreensão da capacidade espiritual como expposta aqui reata a comunhão, ofiscada pela modernidade, entre o espírito e a razão.

Não que a espiritualidade esteja restrita à razão, já que ela tem outros instrumentos, como a intuição, a fé e outras possibilidades místicas, que podem lhe servir nesse processo de relação com a realidade, mas desfaz a falsa oposição que se instalou entre elas.

Assim, com a espiritualidade compreendida como um movimento da consciência, abrem-se portas de interpretação que o entendimento meramente mistico havia cerrado. Ao conciliá-la com a racionalidade, até mesmo muitos dos textos sacros ganham uma amplitude de entendimento e uma profundidade de compreensão que antes pareciam enevoados pela expulsão da razão do reino do espírito.

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