FILOSOFIA INTEGRAL | A tolerância de Marcuse

Ao testemunhar os defensores da tolerância se comportando com sua intolerância habitual, temos a tendência de concluir que tudo se trata de uma mera contradição da parte deles. Pensamos: como são hipócritas! No entanto, a intolerância desses tolerantes não acontece por acaso, mas está delineada nas obras de pensadores que a promoveram.

Um desses pensadores foi Herbert Marcuse, intelectual marxista, representante da Escola de Frankfurt, e que apresentou os conceitos de tolerância abstrata e tolerância concreta. A tolerância abstrata, segundo ele, seria aquela “tolerância não partidária […] que resiste em tomar lados – mas, ao fazer isto, na realidade protege a já estabelecida maquinaria da discriminação”. Para Marcuse, essa tolerância abstrata era típica dos liberais e conservadores, que insistem numa sociedade aberta e com liberdades amplas. Para eles, esse tipo de sociedade acaba sendo tolerante com a injustiça, com o preconceito e com a opressão. Já a tolerância concreta seria mais seletiva, considerando muita coisa como intolerável, inclusive as opiniões, que podem ser preconceituosas, favorecendo o discurso de ódio e, por consequência, o ato odiento.

O problema é que as opiniões perigosas, para Marcuse, encontravam-se todas entre os representantes do sistema capitalista e liberal. Segundo o pensador alemão, eram estes que destilavam ódio, proclamavam ideias racistas, preconceituosas e opressoras. Por isso, concluía que a sociedade, ao ser tolerante com as ideias desses direitistas estava sendo indiretamente intolerante com os oprimidos e marginalizados, que eram oprimidos e discriminados por eles. Marcuse afirmava, então, que não deveria haver tolerância alguma em relação ao que esses, que eram identificados como verdadeiros fascistas, diziam.

A verdade é que em relação à tese geral do pensamento de Marcuse, não há o que contestar. Todas as sociedades foram limitadamente tolerantes. Sempre existiram princípios e valores que elas defenderam e que, com isso, tornavam intoleráveis aquilo que os aviltava. Quando Marcuse afirma, então, que nem tudo deve ser tolerado, não há o que se discordar dele.

O problema todo reside em saber quem deve determinar o que é e o que não é tolerável. Quando a sociedade democrática tenta promover a tolerância mais ampla possível, ela apenas está reconhecendo que ninguém tem o monopólio da verdade, nem da virtude, por isso, é melhor deixar que o senso comum defina o que seria realmente intolerável.

Ocorre que Marcuse ignora o senso comum e ele mesmo determina quem são os detentores do discurso preconceituoso e opressor: os reacionários. Assim, identifica neles aquilo que não pode ser tolerado, de maneira alguma.

Ao fazer isso, porém, o jogo retórico de Marcuse acaba desnudado, pois fica evidente sua artimanha de lançar sobre seus inimigos políticos ideias que eles não necessariamente defendem, como o racismo, a xenofobia, o fascismo e todo tipo de preconceito, apenas para demarcá-los como pessoas odientas, que não devem ser toleradas. Inventa comportamentos reprováveis para justificar a intolerância sobre eles.

Obviamente, segundo Marcuse, são os progressistas, os socialistas, os revolucionários e todos aqueles que se encaixem na definição neo-marxista de excluídos e marginalizados que possuem as ideias mais louváveis e que, por isso, devem ser amplamente toleradas. Afinal, esses são os possuidores dos mais nobres ideais e apenas eles representam a justiça.

A consequência prática dessa perspectiva marcusiana, porém, é que a tolerância acaba sendo aplicada apenas aos amigos do pensador. Ser tolerante é, no fim das contas, permitir que a esquerda fale e faça o que bem entender. Quanto aos inimigos, cabe a reprovação, a censura e a intolerância mais do que justificada.

O que fica claro é que a ideia de tolerância de Marcuse nada mais é do que a tentativa de colocar em prática um totalitarismo ideológico, que cala a boca de seus adversários e deixa a sociedade à mercê de suas ideias. Essa tolerância não passa de uma boa desculpa para tentar calar seus inimigos políticos, taxando-os com os adjetivos mais repugnantes. No fim das contas, a tolerância de Marcuse não passa de uma arma política.

Portanto, os justiceiros sociais de hoje, quando agem violentamente contra seus adversários, ao mesmo tempo que clamam por tolerância, não estão sendo simplesmente contraditórios, mas colocando em prática a estratégia política ensinada por Herbert Marcuse.

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