ENTREVISTA | Fernandinha Meireles

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

A neta da Poeta Cecília Meireles revela detalhes sobre a vida de sua avó

Hoje, 09 de novembro, completa-se 58 anos desde que Cecília Meireles ficou “encantada”. A Revista Esmeril tem a honra de brindar o leitor com uma entrevista exclusiva com Fernandinha Meireles (Fernanda Correia Dias), a neta da grande poeta brasileira.

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ESMERIL: Para começar, Fernanda, conte-nos um pouco sobre você; pode começar pela sua profissão.

FERNANDINHA: Trabalho com criação. Do zero ao resultado finalizado. Designer e designs. Gosto imenso de pessoas, de ler e de estudar assuntos profundamente e diversos. Sou eclética. Isso inclui desde objetos mínimos a grandes espaços, continentes e galáxias.

ESMERIL: Sabemos que você é neta da grande Cecília Meireles. Conte-nos sobre a sua família.

FERNANDINHA: Sou sim, neta. Ela é a mãe da minha mãe e também é minha madrinha. Sou afilhada de batismo. Faço o meu possível para honrar o privilégio. Me sinto muito amada e a abundância de amor é sempre transbordante e caminho para a excelência. Minha família é
mínima, mas composta por estudiosos ímpares e corajosos. Gente que contribuiu no campo da agronomia, da engenharia civil, literatura, teatro, televisão, cinema, direito, medicina, biologia, artes plásticas e design.

ESMERIL: A melodia da poesia de sua avó esteve presente em sua infância?

FERNANDINHA: Sim. Depois que recebi das mãos da minha avó Cecília Meireles o livro Ou Isto Ou Aquilo, que ela mesma escreveu, ela mesma leu o livro todinho para mim, na ordem que ela quis, escolhendo as páginas dos poemas, em especial para que eu ouvisse naquele dia. Me disse pessoalmente que escreveu os poemas A Bailarina e Ou isto ou aquilo para mim. Eu fui a primeira criança a ganhar este livro Ou Isto ou Aquilo, na primeira edição, escrito por ela e ilustrado por Maria Bonomi, porque os pacotes de livros tinham sido recém entregues ao meu avô, que nos trouxe ao segundo andar da residência e ela orientou que os pacotes pousassem no gabinete dela. Me pediu que eu fosse ao gabinete, abrisse um pacote, pegasse um livrinho e trouxesse de volta, ao quarto dela, onde estávamos. O último poema que ela leu, depois de ter lido todos os poemas do livro, foi Pescaria e na estrofe “as mãos do mar vem e vão, não levarão os peixes do chão, por isso chora na areia a espuma da maré cheia”, os olhos dela encheram-se de lágrimas e os meus também, nos afogamos numa tristeza e a lágrima dela caiu oblonga e cinza na página branca onde ela escrevia a dedicatória para mim. Sei de memória todos os poemas porque cada poema é a própria presença dela em mim.

ESMERIL: Em sua família, você não deve ser a única entusiasta do trabalho da Cecília, certo?

FERNANDINHA: Certo. Todos nós sempre trabalhamos muito para divulgar o legado. Muito. Minha tia Maria Elvira, a irmã da minha mãe e mais velha um ano que ela, insistia com a ideia da minha mãe e avós, que devíamos conservar todo o acervo dentro da casa e publicarmos as obras. E por vinte anos fizemos isso. Minha tia Maria Fernanda, a irmã mais nova um ano que minha mãe, atriz, criou espetáculos em que participaram maridos, meus primos e irmão, seja com a técnica, luz, som, seja cantando e tocando instrumentos. A minha mãe, aos 40 anos, por virtuosismo, prestou vestibular para a Faculdade Nacional de Direito, graduou-se como advogada, com o objetivo de compreender sobre os direitos dos autores, seus pais artistas. Eu criei livros e também os ilustrei, criei exposições, homenagens, instalações, palestras, mas desde o tempo em que eu não tinha a altura de uma mesa, e passava correndo por baixo delas, sem me curvar, me colocavam em cima dela, para dizer os poemas da minha avó Cecília Meireles para a plateia, na escola, ou em casa de amigos e eu dizia com muita alegria, como faço até hoje.

ESMERIL: Como a Literatura (Poesia e Prosa), exerceu influência sobre você?

FERNANDINHA: Eu sou uma leitora de poesia, porque compreendo a poesia, como uma iluminação interior, uma revelação, um ensinamento, uma renovação. Poesia é nutrição de criativos, porque só quem pensa é capaz de mudar de pensamento! A poesia galopa junto. Ou zarpa como barco, como seta. Tem direção. Eu não acredito em criativo que não entrega. Tem que existir algo dentro. Inclusive se for o nada. A poesia é filosofia em concisão e tenho muito amor pela poesia dos poemas, porque a poesia está por toda parte. Em todos os lugares. Em toda a vida. E viver é contemplar a poesia e atuar em poesia. A poesia está em todas as artes e ofícios. Tenho muito amor por todos os poetas, pela velocidade e exatidão com que recebo a grande sabedoria de todos os tempos. Meu poeta preferido sempre foi a minha avó Cecília Meireles e ela é o maior poeta em língua portuguesa. Maior que Camões moralmente, porque o que se escreve também é valor. Exaltar heróicas conquistas à custa do sangue alheio, não é exemplar. Como você sabe, cada poeta é único. Se existirem dois poetas iguais, um deles não é poeta. Os grandes poetas brasileiros escreveram o que pensavam sobre ela, Cecília Meireles: Drummond escreveu que ela era “Deusa”; Bandeira escreveu que ela é “libérrima e exata”; Vinícius escreveu: ” tua chegada, nós nos iluminávamos”; Mario de Andrade escreveu: “jamais a poesia nacional alcançou tamanha evanescência tanto verbal quanto psíquica, é a melhor coisa do lirismo puro que nunca se escreveu nesse pais”; Mario Faustino: “quantos poetas em nossa língua já assinaram 50 grandes poemas”; Otto Maria Carpeaux escreveu: ”convém juntar o nome de Cecília Meireles aos poetas puros do mundo, poesias que pertencem ao patrimônio da melhor poesia universal “.

ESMERIL: E a prosa, especificamente?

FERNANDINHA: Eu leio prosa obrigada, por necessidade. Não tenho paciência para a prosa. Na prosa prefiro as biográficas, as cientificas e as poéticas. Mas se forem de autoria de minha avó Cecília Meireles, todas me interessam. Sejam na forma de crônicas, reportagens, ensaios, pesquisas, teatros, criticas, estudos de cultura, palestras, conferencias, etc. Aprendo muito e sei a abundância de conhecimento conciso que ela entrega! É gigante. Ouro líquido. Ler gasta a minha visão e eu preciso dela para os desenhos, os tons das cores, as ilustrações e não é possível ler e desenhar em simultâneo.

ESMERIL: Conte-nos sobre os seus autores preferidos.

FERNANDINHA: Cecília Meireles. Eu sempre preferi naturalmente os clássicos ocidentais e orientais. Quando eu era criança eu preferia a poesia, mas as fábulas de Esopo me encantavam. As grandes paisagens, os livros de fotografia, os livros de idiomas. A minha avó escreveu poesia de todas as formas e para todas as idades e eu vivi na sua residência, dentro de sua biblioteca de 15 mil livros e tudo me interessou, mas nada é superior à obra dela. Alguém precisa avisar continuamente que temos Cecília Meireles para combater, com profundidade, a ignorância.

ESMERIL: Agora conte-nos sobre os seus poetas preferidos e, a seu ver, a relação deles com Cecília.

FERNANDINHA: Meus poetas preferidos são: Cecília, Cecília e Cecília. Ela é inúmera. Eu procurei em seus livros, ainda quando eu tinha essa espécie de preocupação que trazes na sua pergunta e o que ela me ensinou é que você precisa conhecer muitas opiniões para consolidar a sua própria ideia, que ser genial é fruto do exercício intelectual pessoal. O mundo para ser melhor, precisa imenso de pessoas que pensem. E para pensar bem, é preciso ter um coração bem formado, com abundância de amor. Se nada te falta em amor, tudo o mais é abraçado de forma equilibrada. Por isso a preocupação com a infância. Com o ótimo na infância, que ela, Cecília Meireles, insiste. Isso envolve a economia, a politica, a ciência, etc…

ESMERIL: Há algum fato curioso contado em sua família, alguma anedota sobre a Cecília que você queira compartilhar?

FERNANDINHA: Um fato curioso: é que eu pensava que o mundo era cheio de pessoas extraordinárias como as pessoas da minha família. E me decepcionei muito, com muitas pessoas à minha volta. Percebi o quanto faz diferença conviver com gente extraordinária. A maioria dos ótimos, são apenas ótimos. Fazem coisas incríveis, mas apenas coisas incríveis, mesmo. Os extraordinários são raros. Eles não fazem determinadas coisas. E não fazem mesmo. Por este motivo são os extraordinários. Eu sei reconhecê-los e sei onde estão.

ESMERIL: Sabemos que a sua avó tinha ascendência portuguesa. Sua família e você especificamente mantêm relações afetivas e culturais com a terra de Camões? Caso afirmativo, considera isso importante?

FERNANDINHA: Depois de cinco dias na Ilha de São Miguel, no Arquipélago dos Açores, trouxe comigo 40 amigos. Alguns que eu nem conheci pessoalmente, mas que são amigos até hoje. O idioma aproxima muito. No idioma está contida a cultura, os seja, os valores que ficam visíveis nas escolhas dos significados sutis do discurso. Esses valores me afastam e me agregam. Eu os percebo nitidamente. Nasceram lá no Arquipélago, antepassados da parte da minha mãe, avó, bisavó… e como sabes, minha avó Cecília Meireles, mãe da minha mãe; ela escreveu que a Jacintha, avó dela — de Cecília –, “falava como Camões e inglesava”. Logo, esta feição de caráter de ilhéu pode incluir muitas origens culturais, mas principalmente a convivência pacífica com as diversidades de origens e culturas. Isto oferece um perfil de ouvido musical para a compreensão de diversos idiomas, amor pelo desconhecido, trocas de inteligências espontâneas, sentimento de família entre desconhecidos, acolhimento. Sempre. Eu tive no continente primos que falavam e escreviam como Camões… parentes do meu avô materno, mas também por parte do meu pai, são todos ilhéus. Ou do Arquipélago da Madeira ou da Ilha de Marajó. Eu tenho esse caráter de ilhéu. São mesmo traços da minha personalidade.

ESMERIL: Você acompanha a Literatura Brasileira contemporânea?

FERNANDINHA: Acompanho e conheço ótimos autores poetas. Tenho conhecido sempre mais. A poesia é muito importante. Ela traz essa concisão que o mundo moderno precisa na transmissão de informações essenciais, substanciais e em velocidade. É a linguagem mais moderna que existe no mundo. Sempre foi. E é a que é possível memorizar, não esquecer nunca mais; quando renascermos, recomeçaremos por ela. Porque isso é certo: civilizações soterradas ainda falam através da poesia aos homens dos dias de hoje.

ESMERIL: Agora, Fernandinha, você está livre para fazer as suas considerações finais.

FERNANDINHA: Muito agradecida, querido Vitor. Quero assinalar que minha avó Cecília Meireles, tendo falecido em 9 de novembro de 1964, não morreu. Está viva e é uma autêntica imortal. Ainda hoje as pessoas querem o número do telefone, o e-mail, etc… para contactá-la. Nesta data eu conto números irrelevantes, serão 58 anos de saudades? Mas ela está aqui e agora, aos 121 anos.

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O post acima é da própria Fernandinha Meireles em sua página pessoal no Instagram. Ela ficará feliz em ter os leitores da Esmeril como seguidores!

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