CULTURA CATÓLICA丨Progressismo e crise no sacerdócio

Padre Bernardo Maria
Padre Bernardo Mariahttp://nazare.org.br/
Monge do Mosteiro Cisterciense Nossa Senhora de Nazaré, em Rio Pardo - RS

Muito já se tem falado sobre a crise cultural do Ocidente, que não sabe mais o que dizer de si mesmo, não sabe mais como definir-se porque rompeu relações com suas origens e procura ignorar cada vez mais quem o moldou e o constituiu tal como é, ou como foi, até pouco tempo. Naturalmente, essa “hemorragia capilar” auto infligida conduz a uma decadência que abre caminho para novas versões da barbárie humana.

Alguém desavisado poderia pensar que em nosso tempo a crise é observável apenas nos planos político, cultural, sociológico, e financeiro, e que, na Igreja, experimenta-se a paz e o consenso. Triste engano! Por certo a fé católica está em expansão em algumas partes do mundo, mas não podemos refletir sobre a situação atual da Igreja como quem analisa o desempenho de uma empresa. A realidade a ser observada é muito mais profunda, atinge grande parte do corpo eclesial, e está relacionada com o fato de que há uma onda comportamental e ideológica que arrasta os fiéis a escolherem quais partes do Credo, ou da doutrina católica em geral, desejam incorporar às suas vidas, e, no intento de justificar e fundamentar essa escolha, esses mesmos fiéis definem-se como “progressistas”. Está-se perdendo no seio da Igreja o senso de objetividade em relação às coisas de Deus, e um obscuro espírito de subjetivismo tem incentivado muitos fiéis, e também pastores, a idealizar uma Igreja ao seu gosto, mergulhando fundo na secularização. A oração é consumida pelo ativismo, a legítima caridade transforma-se em solidariedade humanista e ecológica, a liturgia é entregue à dessacralização, a teologia se transforma em política – no mais das vezes, partidária –, e a própria noção de sacerdócio entra em crise.

O distúrbio por que passa hodiernamente o ministério de muitos pastores está intimamente relacionado, a meu ver, com uma crise do sacerdócio. A corrupção moral, por exemplo, é um sintoma horrendo – não é preciso dizer –, mas ainda assim exterior e grosseiro, a indicar abominações mais profundas. Principalmente no Continente Europeu, tem-se a sensação de que o sacerdócio foi privado da luz que lhe é própria e que se origina basicamente de uma profícua vida de oração. Nesse sentido, um bispo deveria ser o modelo de sacerdócio em sua diocese, deveria ser um modelo de vida de oração, já que não é suficiente pregar ou fazer pastoral confiando apenas na bagagem, ainda que preciosa, adquirida nos estudos de Teologia. Certamente a oração exige esforço e uma ruptura com o mundo e pode, em determinado momento, ser extenuante e aparentemente estéril, mas em um mundo barulhento, desorientado e agitado, em um mundo ansioso para produzir cada vez mais, os sacerdotes precisam achar tempo para se recolherem em adoração silenciosa, como o próprio Jesus, que se retirou com frequência ao silêncio do deserto, considerando indispensável deixar o mundo dos homens para estar com o Pai, sozinho.

O padre, assim como o bispo, tem uma jornada diária com obrigações variadas e numerosas, atendendo várias paróquias, participando de reuniões, e dedicando o tempo aos fiéis. É preciso estar à disposição de todos, mas, no fundo, a grande prioridade da existência sacerdotal é estar com o Senhor. Jesus foi rejeitado e crucificado, e os padres pretendem ser populares? Cristo quis precisar dos sacerdotes, mas muitos destes, infelizmente, não pertencem a Ele, mostram condescendência para com teorias teológicas duvidosas, desprezam a fé dos pequenos e acabam por relativizar, em nome de um pensamento acadêmico distante da tradição dos Apóstolos, o próprio coração da Revelação. O esnobismo intelectual muitas vezes toma o lugar de uma sincera busca de Deus, e as pregações dominicais transformam-se em um show de desconstrução da fé. O povo de Deus tem sofrido com a incerteza de alguns pastores que colocam um ponto de interrogação ao final de cada artigo do Credo, demonstrando que padecem de uma crise de identidade que compromete a explicitação da essência da Igreja, das exigências de Cristo e do Evangelho, e que não mantém nem constrói a comunhão entre os cristãos na comunidade paroquial, ou na diocese.

Tenho observado sacerdotes em profunda crise de autoridade, porque já não sabem se devem, prioritariamente, ser “modelos do rebanho” (1Pd 5,3) – prontos a converter, curar e salvar almas, administrando os mistérios de Deus –, ou se devem dissolver o seu múnus de santificar, ensinar e governar o povo de Deus, para assumir um papel de simples coadjuvantes, tornando-se agentes em favor da justiça social, da democracia, da ecologia, ou dos direitos humanos.

A essência da vocação sacerdotal está em permanecer com Cristo, como nos narra o Evangelho de Marcos:

“Então constituiu doze para estarem com Ele e para enviá-los a anunciar”.

Mc 3,14

O sacerdote não deve ter medo de caminhar rumo às pessoas, como enviado. Quem está com o Senhor não conserva para si mesmo aquilo que encontrou, mas sai a transmiti-lo, preocupando-se com aqueles que creem e vivem com a Igreja, e que nela procuram o caminho da salvação, a fim de, como “pedras vivas” (1Pd 2,5), edificarem o próximo e, ao mesmo tempo, sustentarem o próprio sacerdote. A pergunta que deve nortear a missão do sacerdote é: “Como levar Deus ao mundo”? Para isso é preciso aproximarmos nossos ouvidos da boca de Deus, a fim de podermos ouvir a sua voz e, bem nutridos pelo seu Espírito, colocarmos a sua Palavra em nossos lábios e transmiti-la aos nossos contemporâneos.

Os sacerdotes não podem deixar o mundo indiferente, pois proclamam até em sua própria carne a verdade da Cruz, e por isso provocam um ódio violento em Satanás, que deseja sujá-los, fazê-los cair, pervertê-los. Os sacerdotes são um desafio formidável ao poder do mundo na medida em que configuram-se, não ao progressismo mundano, mas à paixão de Cristo, permanecendo fiéis às promessas da própria ordenação, apesar do desprezo daqueles que são ainda

“…como crianças, entregues ao sabor das ondas e levados por todo vento de doutrina, ludibriados pelos homens e por eles, com astúcia, induzidos ao erro”.

Ef 4,14
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2 COMENTÁRIOS

  1. Ótimo artigo. Mais que reflexão, ao meu ver é preciso agir. Pelo “momento” que arrasta-se já há bons anos, discursos são inocuos. A popularidade sacerdotal deve ser conquistada pela atuação nos ritos litúrgicos, no chamamento público às doutrinas da fé, principalmente na confissão e no arrependimento. Penso que só assim, pelo exemplo sacerdotal, como articulado, se trará a igreja para sua glória novamente.

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