CULTURA CATÓLICA丨O silêncio é capaz de abrigar o inefável

Padre Bernardo Maria
Padre Bernardo Mariahttp://nazare.org.br/
Monge do Mosteiro Cisterciense Nossa Senhora de Nazaré, em Rio Pardo - RS

São Bento, em sua Regra monástica, no Capítulo sobre o Silêncio, nos ensina: “se, às vezes, se devem calar mesmo as boas conversas por causa do silêncio, quando mais não deverão ser suprimidas as más palavras, por causa do castigo do pecado?” (RB 6,2). A má palavra é aquela que não carrega consigo nada de bom, porque está vazia de ideias e de sentimentos, ou seja, é inútil para a fé católica. Num tempo como o atual, onde as palavras não valem muito, onde a palavra empenhada é tratada como coisa de pouco valor, é urgente falar de silêncio. Há pobreza de palavras porque há pobreza de silêncio. Toda palavra vale o que valer a fonte da qual ela se nutre, e serão grandes e valiosas as palavras geradas no seio do silêncio reflexivo, amoroso e orante.

Há quem recorra ao silêncio apenas para “fugir”, para dormir, ou tão somente para relaxar; o silêncio, porém, guarda o calor interior das emoções religiosas, a vida do Espírito Santo dentro de nós mesmos. Há almas que, no desejo de dizer muitas coisas, acabam por dissipar sua lembrança de Deus pela porta da fala, ainda que tudo o que disseram tenha sido bom, e, assim, o efeito final é o mesmo que o de uma sauna que se esfria porque o calor do seu interior escapa por uma porta que fica continuamente aberta. Ideias de valor sempre se esquivam da “verborreia”, e ficam alheias à confusão e à intemperança. O silêncio oportuno é precioso, porque é nada menos que o germe dos pensamentos mais sábios. A vida do Espírito Santo em nosso interior precisa de zelo, pois, especialmente se queremos dar testemunho da presença divina no mundo, se não cuidarmos do fogo interior com o máximo de cuidado, tornar-nos-emos evangelizadores apagados, pessoas que pronunciam muitas palavras e compartilham muitas experiências, mas em quem o fogo do Espírito Santo se extinguiu e de quem não sai muito mais do que ideias estéreis e opiniões enfadonhas e banais. Às vezes parece que nossas muitas palavras são expressão mais de nossa dúvida do que de nossa fé, porque insistimos em tentar levar as pessoas para o caminho do céu valendo-nos da prolixidade, e não exercitando a paciência de permanecer irradiando luz, sem pressa, e com a confiança de que o verdadeiro e mais poderoso fator transformador para o ser humano está na graça de Cristo e não unicamente em nossa habilidade retórica.

Em que pé está a nossa riqueza interior? O que tem amadurecido, dentro de nós, no silêncio fecundo da reflexão, da leitura e da oração? Precisamos fazer-nos constantemente essas perguntas, porque é no seio escondido do interior de nós mesmos que vai-se formando – pela graça de Deus e pelo nosso esforço pessoal – o verdadeiro caráter de cada um de nós. É no íntimo da alma do cristão orante que se elabora, em forma de princípios claros, a graça de Deus. No silêncio sagrado de um coração que reza, formam-se as convicções e enraízam-se as virtudes; ali definem-se as linhas-mestras da luta pessoal que nos aperfeiçoa a cada dia; ali vamos amadurecendo no silêncio, como uma semente que desenvolve-se secretamente no interior da terra.

O homem de hoje parece ter muito mais necessidade do silêncio e do deserto do que os eremitas do passado. Para um observador atento, não é novidade que o mundo está diante de muitos problemas, e que certamente muitos outros estão por vir. São problemas que chegam até o fundo dos corações e dos espíritos, acarretando tremendos distúrbios e sofrimentos. Ao mesmo tempo, não nos é possível deixar de viver neste mesmo mundo: fomos chamados à vida nesta sociedade, ainda que ela seja espiritualmente indigente. Se quisermos estar preparados para dar testemunho de Cristo nas ruas, nas praças e mercados, onde nossa presença cristã está continuamente sendo demandada, precisamos de silêncio. Se quisermos estar disponíveis, não só fisicamente, mas sobretudo espiritualmente, pela simpatia, pela amizade, pela compreensão e pela doação de uma caridade intensa e genuína, precisamos de silêncio. Aqueles que se amam com intensidade já experimentaram o poder de comunicação do silêncio, por exemplo, durante um olhar, pois o silêncio é um jardim fechado onde o espírito floresce para o amor e no amor.

Para onde devo ir então, a fim de encontrar esse tal silêncio imprescindível? O silêncio, a solidão, ou o deserto, não são necessariamente lugares, mas um estado de espírito e de coração, e, como tal, podem ser encontrados até em meio ao vozerio das cidades, a qualquer hora e em qualquer dia. Basta que sintamos uma inadiável necessidade deles, e que saiamos à sua procura. Certamente serão pequenos desertos, pequenas “cavernas” de silêncio, numa imensa vastidão de ruído e alvoroço, mas se estivermos dispostos a descer por elas, lá onde Deus se refugia, a experiência será verdadeiramente recompensadora, porque só Deus torna santos, alegres e fecundos todos os silêncios e todos os desertos. Desses sagrados abismos de silêncio saem palavras que dão vida, por serem reflexo e irradiação de Cristo, a Palavra que é vida. Ah, se pudéssemos dizer como São Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim”! (Gl 2,20). Cristo, então, falaria através de nossa boca.

Os monges do deserto, sem dúvida, acreditavam que simplesmente não falar era uma prática muito importante, ainda que fosse não mais que uma parte de todo o processo do exercício do silêncio. Nossas palavras frequentemente são supérfluas, fúteis, e até mesmo falsas. Em cada nova situação de nossa jornada diária, é importante perguntar a si mesmo se as pessoas vão ficar mais bem servidas com nossas palavras ou com nosso silêncio. As palavras são um instrumento do mundo presente, mas o silêncio é capaz de abrigar o inefável, a vida futura em Deus. Olhemos bem no fundo das motivações que a vida nos oferece e perguntemo-nos: “elas são tais que possam constituir-se em um alicerce para a santidade?”. Todo homem foi criado para ser santo, para amar o Amor que morreu por nós e, portanto, a maior tragédia de nossas vidas é não sermos santos. E com “santo”, não quero dizer “canonizado”, mas alguém que sinceramente, e com energia, empenha-se em realizar o mandato de Nosso Senhor: “Deveis ser santos como o vosso Pai celeste é santo” (Mt 5,48). Se as motivações que nossa vida nos oferece não servem de fundamentos para a santidade, então é necessário começar tudo de novo, até encontrarmos outras que sirvam. Isso pode ser feito, deve ser feito, e nunca é tarde demais para fazê-lo! Como sabê-lo? Antes de tudo, é preciso fazer silêncio.

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