Hoje milhares de manifestantes, motivados por um profundo descontentamento com o funcionamento corrente das instituições políticas no Brasil, dirigiram-se a Brasília, invadiram o congresso e procuraram ocupar espaços que, simbolicamente, foram erigidos para representa-los. Como interpretar esse gesto?
Antes de mais nada, afasto a informação de que a depredação teria ocorrido exclusivamente graças a infiltrados, porque, ainda que seja verdade, fato é que os presentes nas manifestações e na ocupação do congresso nacional se identificavam como patriotas, a parcela do povo brasileiro radicalmente contrária à ascensão de Lula ao poder, em virtude de seu histórico com a justiça.
A reação dessa parcela da população, contudo, é interessante, do ponto de vista da crise política que atravessa o Brasil desde pelo menos 2013, quando manifestações de tamanho e características semelhantes assustaram a então presidente Dilma Roussef. Quem sai de sua casa para invadir o congresso, numa tentativa desesperada de apropriar-se daquele espaço físico; quem sai do conforto de sua casa para arrancar a porta da sala de um ministro do STF, numa tentativa exasperada em arrancar o muro que separa povo e prática da justiça; quem chega a esse extremo acaba revelando a total insignificância do povo na direção da política brasileira.
É verdade que Bolsonaro se comunicava muito mal, à medida que só gostava de falar aos fãs do cercadinho, como se não fosse presidente de toda uma nação. Agora, falta ao presidente recém-empossado a sensibilidade de dirigir a palavra a todos os brasileiros, garantindo-lhes que agirá como presidente do Brasil, sem cair na tentação de governar para sua torcida. Lula cogitou falar aos patriotas? Nem por um segundo. Falou à própria militância, à imprensa nacional internacional, aos aliados, etc. Mas fez pouco caso de parte significativa do povo, isto é, aquela que não o elegeu.
A maior dificuldade do governo Bolsonaro foi achar o tom adequado à presidência de um país: colocar-se acima das rivalidades políticas que caracterizam os conflitos de interesse da sociedade, ainda que tenha ligação com grupos em especial. Ser chefe de estado é agir de modo responsável em prol da unidade nacional, de modo a inspirar harmonia, mesmo que, em política, a disputa ideológica seja permanente.
Os atos deste domingo revelam que Lula não refletiu na dificuldade de seu papel neste mandato em especial; muito menos em quão difícil será agir como chefe de Estado, considerando que 49,1% do povo o rejeitaram à cadeira de presidente da República.
O caminho mais fácil para superar o impasse é associar os atos de hoje a seguidores do ex-presidente e qualificar toda oposição à sua candidatura e mandato como vandalismo. Uma saída fácil, mas insatisfatória, uma vez que não corresponde exatamente à realidade. O vandalismo dos manifestantes é sintoma de sua percepção real de não terem importância na política brasileira, de modo que, no final das contas, o presidente da vez terá a hercúlea missão de achar um modo de provar-lhes que eles importam. É o único gesto consistente que poderia resultar em algo bom para o país.
Após ter passado quatro anos recriminando sua efetiva Bolsonaro a incapacidade de unir a nação, como tambén a mania terrível de só falar à sua bolha, terá a esquerda a habilidade de fazer diferente? Ao que tudo indica, pode não se ro caso. Ao invés disso, podem ampliar a vigilância do pensamento via monitoramento da população e intensificar a repressão da disputa política via STF. Aguardemos as cenas do próximo capítulo.
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nós precisamos rever nossa consciência política.
Acho que o momento pede uma resenha do livro “O Brasil no espectro de uma guerra híbrida”, de Piero C. Leirner.
Bruna, acho que entendi a Direita que olha os feitos de ontem e acha lindo.
Para esses, o resultado eleitoral de 2022 representa o final de um processo. Não é que os atos de ontem teriam nos feito retroceder 30 anos. Isso já teria ocorrido.
É loucura. Eu sei. Mas é como eles percebem a situação. Jogaram todas as fichas na reeleição de Bolsonaro e se sentem diante de um apocalipse.
Triste. Impressionante! Porém, muito triste…
É uma desordem individual que atingiu proporções políticas. Muito disso se passa pelo que escreveste acima.
Sempre sensata.
Parabéns pelo seu trabalho.