BRUNA TORLAY丨Querelas infinitas do mundo cão

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

O tempo é uma oportunidade de entrever a eternidade, ainda que de forma nebulosa; mas é também o inferno das querelas inglórias que escurecem a luz da nossa alma. Trilhar o meio do caminho é senda obrigatória a quem tem sincera curiosidade sobre a aparente predileção humana pela segunda forma de passagem.

Vejam essa semana, que comecei feliz, explicando o valor de um romance impecável, e prossegui de modo execrável, xingando mercenários de gabinete para mostrar a eles como se trata ratos sujos indignos de respeito: com um berro capaz de os fazer voltar do bueiro do qual saíram, fechando na sequência a tampa do esgoto. Na linguagem do Twitter, traduz-se no palavreado descortês que põe a pessoa em seu lugar, bloqueando-a depois. Quem não fecha a tampa do bueiro está destinado a lidar apenas com baratas e ratazanas atrevidas, perdendo as belezas da vida.

O problema maior está em explicar a almas sem muito estofo essa necessidade de bater nos asseclas do diabo quando eles nos assediam gratuitamente. Nada afasta mais os demoninhos que a luz interna ofuscante; mas uma espadada aqui e outra ali sempre ajudam a ganhar tempo e deixar claro que eles vão perder. De resto, rebaixar-se de vez em quando é um gesto de humilde anseio de combater na infantaria da vida, frente que mais arrasta almas, e da qual é indecente descuidar.

Um universitário crente na própria sabedoria nunca esteve disposto a fazer o papel de Sócrates, o qual abrangia discutir com os maiores imbecis de sua época, sem deixar-se contaminar pela ignorância do adversário e sujeitando-se a uma ou outra surra de vez em quando. É evidente que Sócrates gostava mais de educar jovens talentosos como Teeteto e Platão. Mas não fugia aos ossos do ofício.

Todo professor, toda alma sinceramente empenhada em arrancar outras almas da escuridão que habitava a sua, não verá problemas em confrontar os disseminadores da mentira quando se apresentar a oportunidade. Que outra forma de levar luz aos ainda cegos pela escuridão da ignorância total, senão se enfiando na caverna com nosso castiçal oscilante? Ainda que seja para dar uma volta rápida e despertar, nos prisioneiros, dúvidas sobre o valor real das sombras que julgavam, até então, cartas de ouro.

A cada incursão pelas querelas infinitas do mundo cão, fica uma semente de luz. E caberá aos prisioneiros fazer coro à balbúrdia da falsidade violenta, ou seguir o fio da voz dissonante que apareceu por ali, aludindo a outra senda felizmente associada à malha do tempo de nossa breve vida.

O livre-arbítrio é comemorado a cada vez que se faz verdadeiramente possível. Mas alguém que só conhece o mundo cão não conhece as condições de seu exercício. Daí a educação estar no centro da possibilidade da felicidade, da salvação, do pouco de conhecimento que nos é dado obter a respeito de tudo o que existe. Daí que o magistério seja um dos três pilares da Igreja.

Um professor que nunca suja as botas carece de senso de missão, vocação genuína, amor sincero pelas almas penadas que um dia, quem sabe, vão descobrir a rota de saída do inferno.

Tudo para dizer que continuarei maltratando os mercenários de gabinete e vermes afins no lugar adequado, a despeito de isso ser usado em tentativas canhestras de comprometer a minha reputação. Eu sei quem eu sou e vocês também. Toquemos a barca que o caminho é longo e a noite, breve.

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