BRUNA TORLAY丨O maior erro do governo Lula

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

Ontem o colunista Paulo Sanchotene discorreu, no campo da hipótese, sobre a viabilidade, legitimidade e interesse de um programa de renda mínima indiscriminado, o que gerou repúdio em muitos leitores. Eu entendo a razão da antipatia: os governos já não trabalham tendo em vista o bem de seres-humanos, mas o bem do Estado, seu escudo.

Leiam a reflexão do colunista e notem o horizonte a partir do qual ele pensa o possível plano de distribuição de parte da receita colhida pelo Estado aos cidadãos: é inteiramente pensado segundo o bem comum das pessoas concretas existentes. Logo, é praticamente uma reflexão permeada pelo espírito dos homens da antiguidade, e completamente estranha aos parâmetros modernos de política, parâmetros, aliás, que dão origem à mentalidade revolucionária, cujo propósito é refundar a sociedade.

O maior erro do governo Lula, contando todas as suas versões, de 2003 até a presente, foi encetar o divisionismo entre brasileiros. Acompanha este erro maior a progressiva supressão da liberdade, que no PL a ser votado hoje é repetida simbolicamente, uma vez que foi estabelecida em mandatos anteriores. Se algum dia as pessoas que residem no Brasil tinham alguma fraternidade entre si, ela morreu. Se já houve aqui a possibilidade de tocar a vida com certa liberdade, ei-la reduzida ao máximo, considerando os instrumentos do Estado para miná-la.

O que acontece com um povo sem liberdade e sem fraternidade? Primeiro, deixam de amar o seu país e sentir-se parte dele. Trabalhar no Brasil é ser extorquido o dia inteiro por um Estado avesso ao bem do próprio povo. A regra é geral e não poupa ninguém. Digamos que, em termos de minar o amor à pátria, o PT pôs em prática direitinho a utopia igualitária.

O erro maior, contudo, foi a destruição dos laços de amizade, hoje visível até no interior das famílias. O PT enfiou na cabeça de todo tipo de gente – do frentista ao pesquisador universitário, passando pelo acionista e o promotor público – que há pessoas boas e pessoas ruins na sociedade, e distingui-las pressupõe conhecer suas simpatias políticas. A alma individual foi posta em segundo plano. O partidarismo rasteiro, alçado ao primeiro. E mãe e filhos já não conversam tranquilamente sobre todo e qualquer assunto no almoço de domingo, porque até o amor entre pais e filhos é precedido pela nova regra sobre o fundamento do bem e do mal.

Um povo sem liberdade não dará a vida, é óbvio, pela conservação do Estado que o “abriga” – ou antes “aprisiona”. Vive ali sem vínculo algum com os destinos da pátria. Vira um estrangeiro em sua terra. Já não sente nada pelo seu país – e nada sente dever a ele. O patriotismo vai pro espaço e a fragmentação da sociedade progride em marcha alta.

Um povo sem fraternidade, por outro lado, já não suporta conviver, tampouco tem orgulho de si mesmo. Perdida a amizade em sua dimensão política – essa empatia gratuita pelas pessoas que dividem conosco o amor à mesma pátria – a distância entre governo e povo se acentua, servindo de combustível à progressiva extorsão, por parte do Estado, da vida de toda uma sociedade, cada vez mais reduzida à escravidão.

Os princípios maiores da política moderna se traduzem em suas ideologias principais: liberalismo e socialismo. A primeira põe todas as fichas na liberdade; a segunda, na igualdade. Nenhuma delas explica exatamente como fica a fraternidade, princípio fundamental na política antiga e que os modernos supõem ser consequência natural dos anteriores. O problema é que ambas as ideologias erram feio.

Sem limitar a liberdade com a régua da virtude, ou prática do bem, o híper-individualismo triunfa e a fraternidade vai pro espaço. Sem identificar a igualdade à equidade, sendo a regra universal da justiça dar a cada um o que lhe é de direito, sabendo-se que ninguém possui de tudo partes idênticas; sem fazer isso, as pessoas confiscadas no que lhes pertencia sentem-se lesadas pelo próximo, em benefício de quem foram roubadas, e a fraternidade vai pro espaço enquanto o revanchismo triunfa.

Tem expressão maior do híper-individualismo que a prática do monopólio? O que o capital financeiro fez, senão monopolizar o dinheiro tendo o Estado por cúmplice? E há expressão maior do revanchismo que o divisionismo social, incitado aqui por uma demarcação partidária da linha que separa o bem do mal?

Eis aí como o governo Lula, ontem e hoje, destrói a fraternidade e a liberdade, fingindo priorizar a igualdade, enquanto privilegia os monopolistas, tendo por quinhão fazer do Estado a máquina arrecadatória na qual hão de morrer pendurados. O PL da censura ora em votação é o símbolo mais óbvio desse total desprezo pelo povo, cuja ignorância se limita a repetir o novo padrão de civilidade, esperando as migalhas que lhes são de direito.

É evidente, portanto, que a política à qual estamos submetidos não tem como parâmetro o bem-comum.

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