BRUNA TORLAY丨Grandes teses em livros claros

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

Fazia tempo que não aprendia uma grande tese perfeitamente exposta num pequeno livro, direcionado não ao público de acadêmicos entediados com os milhões de compromissos burocráticos feitos para desviar a atenção do essencial, mas para qualquer pessoa interessada em entender um assunto. Esse tipo de livro é muito raro no Brasil, pois nossos professores universitários são ou mal formados, ou profundamente ignorantes sobre o valor genuíno do conhecimento.

Não me refiro às áreas científicas, é claro. Falo da Filosofia, em especial. Fico pensando comigo porque não podemos simplesmente estudar os pilares desse universo e simplesmente aprender com eles. É o que vemos nos livros de Peter Kreeft, por exemplo, em especial o que motiva essa coluna, intitulado The Platonic Tradition — sobre o qual fiz uma série de seis exposições no Youtube. Além de muitas obras como esta, explicando com clareza as ideias dos filósofos antigos e seu profundo alcance na história do mundo e em nossa vida, publicou ele ainda uma Summa Philosophica.

O livro é um verdadeiro primor. Trata-se de um conjunto de questões nucleares respectivas a cada problema filosófico eterno: lógica, conhecimento, essência e existência, realidade, beleza, teologia natural, antropologia, ética geral, ética aplicada, política. Ademais, temos ainda uma tábua contendo questões associadas às extensões da filosofia. Não estou aqui para entendia-los, mas para informar que esta Summa é a realização de quem realmente passou a vida procurando entender a filosofia, e ao longo do caminho pôde discernir as perguntas fundamentais.

O modelo formal da obra é a Suma Teológica de Santo Tomás. Então, após indicar objeções ao problema e réplicas às objeções, o autor finalmente formula a sua resposta. É justamente um exercício de pôr-se diante da tradição filosófica inteira e conversar com ela, com base nas conclusões que meditou ao longo de uma vida de pensamento. Algo radicalmente distinto da prática nacional universitária, na qual cada partidário de filosofia x ou y encerra-se na segurança de sua seita, recusando com chavões insossos quaisquer contestações comuns ao filósofo que decidiu defender, como se tal defesa implicasse na salvação de sua honra pessoal. Algo semelhante a lealdade política. Diante do gritante pecado do aliado, silenciar ou justificar; repreender, jamais.

É assim que somos formados na Universidade. É assim que nos treinam durante os programas de pós-graduação. É assim que reduzem diuturnamente o horizonte de uma consciência, ainda que o objetivo perene da filosofia seja abri-lo ao infinito.

O Brasil não é um país notável pela cultura. Se há ciência, é porque não é preciso ter a atenção voltada para o todo para investigar as milhares de faces da natureza, e suas respectivas aplicações práticas, ainda por descobrir. O reducionismo mental da vida cultural brasileira não afeta a prática científica, apesar de inviabilizar, distorcer ou deformar a filosófica.

Eu poderia lamentar minha surrada e turva formação acadêmica a cada página lida dessa obra incrível. Contudo, é infinitamente mais proveitoso fazer dela um exemplo para reaprender tudo em minha rotina diária de criação de aulas, cursos e exposições. No mínimo para honrar o empenho admirável das raras mentes brilhantes, no universo da Filosofia, que ousaram realizar esse tipo de empreendimento à margem de tudo o que “acontecia” na cultura brasileira, como fazia heroicamente Mário Ferreira dos Santos, o homem que entendeu Pitágoras enquanto o país clamava por Getúlio.

Mais espantosa que a Summa Philosophica do Kreeft em abrangência e envergadura, só a Filosofia e Cosmovisão de nosso Mário Ferreira dos Santos, obra filosófica de maior fôlego escrita por aqui no século XX, ora fadada a nunca entrar nos cronogramas de Introdução à Filosofia das surradas, embotadas e enfraquecidas Universidades públicas brasileiras.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Professora Bruna, fiquei muito feliz pela senhora ter, também, descoberto o trabalho do filósofo católico Peter Kreeft. Há alguns anos fiz um áudio curso dele, Faith and Reason: The Philosophy of Religion, e desde então, tenho admirado muito a obra do Prof. Kreeft, um verdadeiro professor, muito didático e com uma mensagem que vale a pena conhecer. Muito diferente da maioria dos professoras que infestam a academia brasileira atualmente. Digo isto como professor universitário, com conhecimento de causa.

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