BRUNA TORLAY丨Argentina sinaliza cansaço na UTI

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

Como um economista libertário que mostra aversão à centralização de poder abusiva vence as primárias no celeiro do populismo esquerdista latino-americano, isto é, a Argentina, há meio século domesticada pelo peronismo? A única explicação que me ocorre é o fato de ninguém desejar ficar pra sempre numa UTI, ao sair do coma e dar-se conta de seu estado. Daí a variação radical no voto argentino: do comunista ao libertário. Cansaço.

Conheci Javier Milei quando virou parlamentar, em 2021. É uma personalidade que anima gente angustiada com o elevado preço da mesmice política, que significa, na prática, parasitismo pesado de castas sobre a ala produtiva da sociedade. Milei me anima.

O problema das castas é a quantidade de cúmplices que arregimentam. Centralizar poder dá trabalho e exige transformar o Estado em máquina de conceder empregos. Significa injetar recursos na imprensa, garantindo a jornalistas vida de funcionário público — a estabilidade, sonho dos medíocres que não esperam crescer, apenas não perder a pequena conquista a duras penas obtida. Significa também manter as bases alimentadas com recursos. Estado centralizador tem cúmplices porque cede espaço a um mundo paralelo de parasitismo. MUITA gente se dá bem, apesar de a Sociedade como um todo por a cada dia um prego extra em seu caixão.

Mesmo assim, Milei levou a melhor nas primárias e pode se tornar presidente no dia 20 de outubro. Evidência da gravidade do quadro de saúde do governo argentino. A pergunta é se a sua inteligência, associada à coragem, alianças políticas e competência técnica de sua vice-presidente, será um fator capaz de diferenciá-lo de Bolsonaro, cuja passagem pelo governo foi intensa, mas arriscada e controversa, a julgar pela fragilidade política marcante no final de seu mandato. Bolsonaro, refém da própria impulsividade e do mau-gosto na escolha de conselheiros, acabou sendo obrigado a ceder poder num grau excessivo, terminando a vida política inelegível, num processo claramente contestável, e como cabo-eleitoral-estrela do centrão.

Milei, ao contrário de Bolsonaro, é realmente inteligente, além de ter pouquíssima experiência política. Outro perfil. É um outsider genuíno, um sujeito sem relação nenhuma com as castas que destruíram a Argentina. Bolsonaro sempre teve vínculo com a oligarquia das Forças Armadas, por um lado, e não fez esforço para criar (ou comprar) um partido que pudesse chamar de seu, escolhendo o arriscado caminho da legenda de aluguel. Parece que sua experiência política não foi suficiente para dar um nó nas criaturas do pântano político brasileiro. Hoje, depende da caridade daqueles que seus eleitores sempre tiveram como inimigos. O que fará Milei com esse pessoal, se for presidente?

Eu torço muito para que o libertário vença as eleições. Morro de rir com a campanha difamatória ridícula que a imprensa internacional, copiada pela brasileira, robô das agências de costume, empreende contra “el loco”, a figura política de “baixa relevância” que foi escolhida, pela população, como último recurso para sair da UTI. Caso Milei vença, poderemos observar se a inteligência de base é mais relevante que a experiência em campo. Caso Milei vença e cumpra as promessas de campanha, o que implicaria em brigas homéricas com o Estado parasitário estruturado há décadas na Argentina, poderemos observar se é possível, num país extenso, complexo e mergulhado em confusão mental generalizada, tornar-se exemplo e ajudar a população a entender o caminho certo e percorrê-lo com firmeza, em vez de justificar cada esquina errada, cegando a base sobre a verdade em nome da conservação de uma popularidade fugaz e incerta.

Um eventual sucesso de Milei seria uma ótima oportunidade para a família Bolsonaro, que o apoia abertamente, aprender o valor de um politico manter-se fiel a si mesmo, quando milhões de pessoas revelam estar dispostas a apoiá-lo. Isso, claro, se Milei vencer e for capaz de fazer na Argentina algo melhor que a incipiente direita política conseguiu realizar no Brasil. Como dizem os latinos, “a ver”.

Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2023

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor