BRUNA TORLAY丨Política, ideia e castelos de areia

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

É curioso observar um conjunto de pessoas exasperadas em “fazer alguma coisa” pela salvação da política nacional, quando nunca se puseram a fazer castelos de areia. É óbvio que não sabem o que fazer; por onde começar; qual a melhor estratégia. Portanto, defendo: comecem aprendendo a fazer castelos.

Erigir castelos na praia é uma arte. Não basta acumular montes de areia na forma de cone. É preciso calcular o ritmo das ondas que avançam conforme a subida da maré; a profundidade do fosso de proteção lateral; a quantidade de vias de escoamento e a espessura das barreiras de contenção da água, que invariavelmente invadirá a construção. “Vence quem dura mais”, lembram?

Há também que se meditar a qualidade dos grãos da matéria prima. Nem toda areia se presta ao manejo tranquilo. Quanto maior o grão, menor a aderência recíproca, logo, maior a instabilidade do edifício, de modo que castelos estáveis dependem de uma fundação mesclando grãos espessos e aqueles finíssimos, perfeitos para o clássico acabamento das torres mais elevadas.

Outro exercício obrigatório da arte é o amor ao processo, ao lento processo de transformar um componente abundante do solo que pisamos em escultura mais ou menos verossímil. Da base informe às torres góticas oriundas da areia gotejada aos poucos, arrancada do fosso de proteção quando sua profundidade acha a água do mar, vai-se tempo e paciência. Crianças só acreditam ser possível erigir castelos respeitáveis após ter acompanhado a feitura lenta e completa de um, participando da estruturação de todos os componentes. E sentem-se encorajadas à tarefa ao exultar diante de cada onda forte que devasta as barreiras de contenção mas não derruba o castelo.

A imaginação é uma faculdade com uma face voltada à memória e outra à razão. A construção de cada novo castelo se escora no aprendizado anterior, buscando tornar concreto um desenho mental. Fazer castelos de areia é aprender que só se traz à luz o que foi antes pensado, e cujas proporções correspondam às especificidades do material e espaço à disposição. Intencionalidade, força de vontade e inteligência operam juntas na criação de cada castelo, essa arte tão nobre das infâncias felizes.

Nem tudo são flores, porém. Resta apontar que integra a arte de erigir castelos o saber desde o início que estão condenados à fugacidade. Porque o mar é poderoso, mais do que nós; e a relação ancestral entre a água e a areia independe do orgulho que a obra prima provisória desperta em seu autor.   

Irônico e melancólico é o sonho da direita brasileira que tudo quer e nada medita; quer salvar o país da corrupção moral e subsequente degradação política sem ter meditado o suficiente sobre a linda arte que entretém crianças e almas imaginativas na beira de toda praia que se preze. Arrogância mata, se nós do pó viemos, e ao pó voltaremos – origem e epílogo dos castelo de areia ontem, hoje e sempre.

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