VITOR MARCOLIN | Santo remédio

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

Crônica de 2º turno

Frequentemente damos demasiada importância a coisas que, objetivamente, não têm. A verdade é que é facílimo ser enganado, isto acontece a todo momento – e não é exagero. É natural, é da nossa condição humana. Mas, tentando firmar os pés no chão, creio que poderíamos minorar muito do nosso engano se cultivássemos o senso das proporções: o que efetivamente é possível fazer em prol disto ou daquilo aqui onde resido, entre aqueles que compõem o meu círculo de convívio? O fato desta interpelação tirar-nos, aos puxões, do mundo abstrato – e ilusório — onde sofremos desnecessariamente é prova cabal de que a resposta é um verdadeiro reencontro com a realidade.  

Era Domingo de eleição, segundo turno. Antes de sair de casa a fim de cumprir com o meu dever, hesitei em colocar a bandeira nacional sobre os ombros, como no primeiro turno. Hesitei. Tive um receio besta de que alguém pudesse bulir comigo, fazer chacota, piada infame. Mas quase desisti mesmo depois de ouvir o comentário do meu pai: “Pra que essa bandeira? Tira isso!”. Isto lá é conselho que se dê a um filho? Como “pra que essa bandeira?!”. O nonsense desta pergunta é análogo ao absurdo de se querer saber o porquê do sujeito ter um nome, uma religião, uma… nacionalidade. Afinal, as coisas que não cabem em palavras precisam ser representadas por meio dos símbolos, que são meios pelos quais nós interagimos com a realidade. A dimensão abrangida pela mensagem simbólica está muito para além da capacidade de expressão das palavras.  

Daí que o chavão popular “uma imagem vale mais do que mil palavras” faz sentido. Mas eu diria mais: vale não mil, mas todas as palavras. O que é que eu poderia dizer sobre o conjunto dos valores – históricos, culturais, religiosos, morais, psicológicos, familiares e afins – que a bandeira canarinho me traz à consciência? A verdade é que, acima de tudo, ela representa o cumprimento do V Mandamento do Decálogo. Daí também o meu espanto ao ouvir do meu pai a sua manifestação de desaprovação quanto à minha decisão de ir votar trajando verde & amarelo. Vejo agora que a hesitação que me perturbara tinha causas bem mais profundas…  

Assim como naquele primeiro Domingo, eu fui com a bandeira sobre as costas; e nada me aconteceu. Preocupei-me à toa. É difícil mensurar a real dimensão da afetação psicológica que tempos como os nossos causam nas pessoas. A perspectiva integral dos fatos frequentemente surge como nas análises históricas: no futuro. Primeiro era o entusiasmo, a onda de patriotismo mais nobre do que brega; depois vieram as campanhas, as pistas de concorrência desleal, a ajudinha de cima… depois do resultado do primeiro turno é que a coisa degringolou de vez: veio a censura! O sujeito tem mesmo de ter a cabeça no lugar para não enlouquecer.

Mas, creio eu, no caso de muitos brasileiros que vivem este momento presente, a possibilidade da perda da sanidade vem antes pela tristeza do que pela ignorância da conjuntura. Apesar de que, como disse um amigo, “ignorância culposa é falta de caráter”. Bem, falta de caráter também é coisa triste. O candidato Não-Ladrão, segundo as más línguas, perdeu; mas perdeu por pouco, quase nada. Uma notável diferença entre o primeiro e o segundo turno é que neste as ruas estavam mais limpas. Porque, em alguns Estados, tivemos de escolher um entre dois candidatos não havia razão para os santinhos, bocas de urna, compra de votos ou qualquer malandragem do gênero.  

Todos sabíamos perfeitamente em quem votar, e mais: sabíamos o porquê. Só não contávamos com um resultado tão desfavorável. O que fazer? Mas que pergunta cretina! Eu não sei o que fazer em Brasília, nos quartéis, nas emissoras de TV, nos canais do YouTube, nos perfis das redes sociais, na grande mídia ou na universidade; eu sei o que fazer no condado onde habito. Caminhar descalço, colher jabuticaba no pé, preparar um café e comer bolo de fubá na boa companhia de quem está perto são um santo remédio contra a disfunção cognitiva.  

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