VITOR MARCOLIN | Complexo de vira-latas

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

Desprezo ao Futebol aqui não!

No dia 31 de maio de 1958, uma semana antes do início da Copa do Mundo daquele ano, Nelson Rodrigues, no periódico Manchete Esportiva, fez um apelo ao torcedor brasileiro: “O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia”. Seria, no entanto, com prejuízo à verdade se disséssemos que Nelson estava se referindo somente ao conjunto dos brasileiros que apreciam futebol. Não. O futebol foi só o chamariz perfeito para a advertência do cronista.

Naquele momento histórico que antecedeu a primeira de uma sucessão extraordinária de vitórias brasileiras no futebol mundial, Nelson, a honrar o seu ofício, cunhou a expressão “complexo de vira-latas” que, até aquele momento, serviu perfeitamente para descrever a psicologia dos brasileiros frente aos desafios — não só futebolísticos. O “anjo pornográfico” que se deliciava com crônicas esportivas fez a sua contribuição para a expansão do vocabulário do brasileiro. E ele mesmo tratou de explicar: “Por ‘complexo de vira-latas’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol”.

Aprecio futebol, mas só quando vale a pena: na Copa. Aliás, sou da opinião herética de que o futebol, dada a sua grandeza, deve ser disputado somente a cada quatro anos. Os campeonatos regionais desviam a atenção do propósito maior do esporte mais popular da Terra: a vitória a nível mundial. Afinal, é durante a Copa do Mundo que os melhores jogos acontecem. Os passes mais perfeitos, os dribles mais geniais, os gols mais improváveis, as defesas mais heroicas, as vitórias que se eternizam acontecem quando os adversários reconhecem-se não como rivais de bairros distintos, senão como competidores de nações distintas. Só a Copa vale a pena, porque a moral da Copa é a moral da guerra – da guerra mundial. 

E aqui chegamos a um ponto crítico. O brasileiro, a despeito de ser o maior campeão do mundo, é um eterno insatisfeito. E a insatisfação é tamanha que, frequentemente, traz consigo um quê de hipocrisia: “O Brasil devia ser tão bom na educação, na saúde e na economia quanto é no futebol”, “Menos estádios e mais hospitais!”, “Ministério da Educação padrão FIFA!”, “Pelé educador!”… O pior é quando, durante os intervalos entre as partidas, encontramos, aqui e acolá, colegas do dia a dia que fazem questão de reiterar ao mundo sua decisão de não assistir aos jogos em protesto à “situação político-econômica-social do país”. Isto é um erro crasso!

A Copa do Mundo é a situação perfeita para celebrar o amor à pátria, a família, os amigos e o orgulho perfeitamente cabível do maior campeão do mundo. E, pelo que me consta, só entre os torcedores da seleção pentacampeã — a caminho do hexa – manifesta-se o estranhíssimo fenômeno daquela indiferença típica de quem busca afetar superioridade. Àqueles que torcem o nariz para a Copa, eu digo: tomem vergonha na cara e libertem-se de vez deste viralatismo estúpido!

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