SANTO CONTO | Os últimos minutos da Donzela de Orleans

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Baseado no martírio de Santa Joana D’Arc

Abatida, com o corpo franzino alquebrado pelos maus tratos na prisão, cabeça raspada e vestes sujas e rasgadas, a jovem Joana seguia em direção à pira. Nos últimos dias, não fora apenas vítima das torturas dos homens, mas de legiões de demônios. Combatera aqueles hordas até a exaustão, em lutas que excediam em muito as mais sangrentas que já enfrentara nos campos de batalha. Quando lhe faltavam as forças, era sobrepujada pelo número dos inimigos, que a surravam e a arremessavam entre as paredes da masmorra diversas vezes, fustigando-a sem clemência madrugadas adentro. Nos momentos em que lhe davam algum alívio, um outro demônio, sedutor, vinha sussurrar-lhe no ouvido que desistisse de tudo, renunciasse intimamente a seu Deus, admitisse sua culpa perante os juízes e clamasse por misericórdia. Ela então segurava seu crucifixo e rezava, confiada na intercessão de São Miguel, e enfim saía vencedora. Dormia pouquíssimo e, ao amanhecer, vinham os suplícios dos carrascos humanos.

Tudo aquilo ela passara com coragem, e era agora um trapo humano, mal se sustendo em pé no caminho até o suplício final. Seu espírito, no entanto, era uma couraça, e vinha mais fortalecido que jamais estivera. Por isso, em seus olhos, havia uma tranquilidade profunda,

Quando já estava amarrada ao madeiro, antes que o fogo fosse aceso, olhou para os juízes que a fitavam – com ódio alguns, e com indiferença outros. Em torno deles, diversos demônios festejavam e se regozijavam. Mais atrás, esquecidos por seus protegidos, seus Anjos da Guarda os comtemplavam com tristeza, impotentes. A jovem então sentiu uma dor maior que qualquer ferida de batalha ou tormento sofrido na prisão, e chorou. E enquanto o fogo já começava a avançar sobre seu corpo, sem que ela sentisse, orou por aquelas almas. Por sua mente então passaram cenas da infância, a casa dos pais na aldeia a Domrémy, as Missas, a alegria de todas as vezes em que podia comungar. Vieram-lhe cenas de seus êxtases, as visões que tivera com Santa Catarina de Alexandria, Santa Margarida de Antioquia e São Miguel. As batalhas dos cercos de Orleans e de Paris, sua prisão, as torturas e tentações passados no calabouço. Tudo muito rápido, em segundos, enquanto ela olhava para o alto e orava, pedindo pela França, por cada uma das pessoas que já conhecera e por sua própria alma. Então seus olhos viram no céu apenas a Santa Cruz, enorme, que brilhava como o sol, enquanto ela escutava melodias angelicais.

Seu corpo já ia muito chamuscado quando ela terminou suas orações e desfaleceu, tranquila. Quem pudesse ver seu rosto naquele momento, notaria um sorriso beatífico. E quem pudesse enxergar os demônios em torno dos juízes, os veria acabrunhados, em profundo tédio após a embriaguez festiva de minutos antes.

 Enfim, quando a Donzela de Orleans abiu os olhos, já estava no Céu.


2 COMENTÁRIOS

  1. Linda História e muito provável algo similar tenha ocorrida. parabéns novamente ao brilhante Leonardo. O Espírito Santo continue com você para que sua criatividade e talento só aumente.

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