SANTO CONTO | O sorriso mais feliz do mundo

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Baseado no martírio de São Loureço de Huesca

Escoltado por soldados, com uma multidão hostil de ambos os lados a insultá-lo e a lhe jogar verduras, ovos podres e pedras, Lourenço seguia tranquilo pelas ruas de Roma. Na verdade, ia mesmo alegre, um leve sorriso podia ser percebido em seu semblante. Não havia maneira mais feliz de terminar a vida neste mundo do que morrendo por fidelidade a Jesus Cristo, e ele sabia disso. Seu olhos, inchados e vermelhos de espancamento, sal e vinagre, não viam soldados nem pagãos furiosos, nada enxergavam além do Céu, já bastante próximo.

Quando chegaram ao local da execução, e ele viu como seria seu martírio – o imperador lhe reservara uma pena exemplar, ser assado em uma grelha gigante feita especialmente para aquela ocisão – seu sorriso alargou-se: “Então, é assim que vão me levar ao Céu? Pelas chamas?”, pensou. “Que seja! Só peço, Senhor, que minha morte venha a ser ocasião de salvação de muitas almas. Entrego agora meu espírito ao Senhor, e peço, sobretudo, por meus algozes. De minha parte, eles estão perdoados.”

Depuseram-no então sobre a grelha, deitado de lado e acorrentado, como uma grande carne de caça, e acenderam a fogueira. A multidão em volta olhava sequiosa. Aqui e ali, cristãos encapuzados rezavam em silêncio por ele. Os soldados, bêbados, gargalhavam. Mas um deles, de repente recuperando a sobriedade, percebeu que o prisioneiro sorria, e à larga. As chamas já começavam a assá-lo, mas o homem parecia não sentir, e apenas sorria. De sua parte, Lourenço de fato nada sentia além se uma alegria intensa, profunda, que ia aumentando conforme ele via, entre a multidão e os soldados, olhares de incredulidade e corações que iam da confusão para a contrição. Suas preces haviam sido atendidas.

O mártir, então, começou a rir, e depois gargalhar, pois a alegria não cabia mais no silêncio. E conforme ele gargalhava, mais e mais pessoas iam se escandalizando, e o escândalo transformava-se em verdadeira conversão, e ele ria ainda mais. E quando viu que o chefe da guarda ordenava aos soldados que aumentassem o fogo, falou-lhe, enquanto tomava fôlego entre uma gargalhada e outra:

– Ei, chefe, olha só: este lado já está bem chamuscado, vai tostar. Peças aos rapazes que me virem, para que eu asse por igual!

E caiu no riso novamente, sem sentir as labaredas que já o desfiguravam e faziam pingar gordura de seu corpo. E só parou de rir quando, maravilhado, viu seu Anjo da Guarda, que vinha buscá-lo acompanhado de todo um Coro Celeste. Seu corpo já havia sido todo tomado pelas chamas, e era agora um resto de cadáver sendo consumido até os ossos enquanto o cheiro de carne queimada se espalhava causando náuseas em toda parte. Mas, se alguém pudesse vê-lo naquele momento, enquanto ele subia à Glória acompanhado de tantos Anjos, teria testemunhado que aquele era o sorriso mais feliz do mundo.


6 COMENTÁRIOS

  1. Tinha lido sobre martírio de São Lourenço ainda quando jovem e aquilo me impressionou muito. O tamanho da fé denuncia o nosso marasmo. Parabenizo o conto por explorar quantos não devem ter mudado de pensamento sobre os cristãos e até mesmo se convertido naquele momento.

  2. O martírio de São Lourenço é uma coisa que ainda me fascina pelo simples fato de você ter um cara fazendo troça de seus executores diante da perspectiva de morte. É Inacreditável a qualquer pessoa uma coisa dessas. Fomos ensinados que a morte é uma situação temerosa, e isso é resultado de uma sociedade cada vez mais descristianizada. Tememos a morte na verdade porque não estamos realmente preparados para ela. Se tivéssemos, talvez estaríamos alegres como São Lourenço, sabendo que a próxima parada é a Morada Eterna. Mas não estamos. E essa talvez seja a pior desgraça do homem moderno. Brilhante como sempre, meu caro!

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