SANTO CONTO | A caminho do convento

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Baseado na história de Sóror Joana Angélica, mártir da Independência

Madre Joana foi a pessoa mais bondosa que já conheci. E a mais doce. Mas essa parte só sabia quem tinha mais intimidade com ela, e eu tive a sorte de ser sua dirigida espiritual, e sua amiga. Mas para quem não a conhecia assim tão bem, ela era a “Madre Brava”! E era mesmo, e como. Que mulher! Foi pela bravura dela, aliás, e pela graça de Nosso Senhor, que o Convento ficou de pé.

Nós já estávamos acostumadas com o barulho das escaramuças lá fora, os homens do Brigadeiro não davam folga, e os nossos não deixavam para menos. Era gritaria e tiro dia e noite, canhão estourando para todo lado, um horror. Mas naquela manhã a barulheira foi na porta do Convento. Veja que indignidade! A mando do Brigadeiro endemoninhado, arrombaram a porta, aquela grossa, grande, e foram entrando.

Madre Joana os parou ali na entrada, empunhando o Rosário na mão, as noviças todas atrás dela, assustadas – eu mesma nunca tinha sentido um medo tão grande, o coração disparado, a tremedeira nas pernas. Eles disseram que vinham buscar provisões, mas dava para ver nos olhos de alguns a sede de sangue, e de outras coisas. Se eles tivessem conseguido…

Mas, como eu disse, ela estava com o Rosário na mão, e aquilo fez os soldados pararem. Deu para ver que junto com os assassinos havia alguns nem queriam estar ali, um deles tinha um Rosário pendendo de um bolso, reparei nisso também. Em guerra, tem leão e cobra, ovelha e lobo de todos os lado, uma tristeza. A Madre falou, daquele jeito bravo dela:

– Para trás, bandidos. Respeitem a casa de Deus. Recuai, só penetrareis nesta casa passando por sobre o meu cadáver!

E foi a última coisa que falou neste mundo. Um daqueles que traziam o sangue nos olhos e ódio no coração avançou, deu-lhe uma coronhada com a baioneta, e a nossa pobre Madre caiu ali mesmo, com o rosto no chão, os braços abertos, a mão ainda segurando seu Rosário. O sangue de sua cabeça começou a empoçar o chão. Diante dos nossos gritos, e nosso alvoroço, e da imagem da Irmã ali sangrando, o soldado recuou. Ficou branco, perdeu a valentia. Não sei se Nosso Senhor tocou o coração dele, mas espero que tenha. Os outros soldados recuaram também, assustados, aquele do Rosário no bolso foi puxando o colega pelo braço, tinha cara de choro. Foram embora sem dizer nada.

É filha, eu sei. Já te contei essa história vezes sem conta, mas hoje ela é ainda mais especial. Hoje és tu que iniciarás tua vida de noviça, e quem sabe não segues a vocação que acabou não sendo a minha. Virei esposa e mãe. Tua mãe. E hoje te entrego ao mesmo Convento de onde saí pouco depois daquele dia. Que possas ser noiva de Nosso Senhor, se for esta a tua vontade. Mas que seja feita a d’Ele.

Bom, Joana, chegamos. Reza sempre por mim e pela alma de teu pai. E nunca te esqueças de pedir a intercessão daquela de quem levas o nome. Fica com Deus.


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