RESENHA | Memórias de um sargento de milícias

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

O livro é o primeiro retrato do Brasil em linguagem brasileira

Nos últimos anos, e em função de um incipiente processo de restauração da alta cultura no Brasil, muito já fora discutido sobre os mecanismos pelos quais a Literatura exprime as possibilidades da condição humana. O escritor, fiel ao que ele mesmo se propôs, reflete sobre a realidade que o rodeia e constrói, valendo-se de toda a sua experiência, uma narrativa. Esta tem, em função do acordo que o escritor fez consigo, uma realidade dupla: comunicar e deleitar. O limite entre um e outro elemento, no entanto, frequentemente é obscuro.

A substância da comunicação é precisamente a história; o deleite fica a cargo do estilo, da personalidade do escritor infusa na narrativa. Ora, sendo o estilo um dos principais alvos da crítica, é natural que este ou aquele escritor caia em desgraça ou seja consagrado em função da escola literária vigente. Manuel Antônio de Almeida, escritor carioca que teve uma vida tão curta quanto trágica, é um raro exemplo de coragem no âmbito da produção literária. Ao entregar ao público as Memórias de um sargento de milícias (1853), o autor rompe com o Romantismo vigente.

É sempre arriscado romper com os paradigmas do tempo; no entanto, o pior é prostituir a própria consciência a fim de agradar aos críticos. Manuel Antônio, parecendo antever o curto tempo de vida que a Providência lhe concedera, decidiu correr livremente a pena sob a tutela exclusiva da sua própria voz. As Memórias, que são a narrativa da trajetória do anti-herói Leonardo, têm como pano de fundo o Rio de Janeiro nos tempos de El-Rei D. João VI, e naturalmente retratam os tipos humanos daquele período.

Na escola, durante as aulas de Literatura, é comum ouvir reclamações dos alunos — frequentemente cabíveis — sobre os livros cuja leitura e análise são obrigatórias. A moreninha (1844), de Joaquim Manuel de Macedo, por exemplo, cuja tônica são os namoricos da adolescência, não deleita os leitores — ainda que estes sejam precisamente adolescentes. A história, banhada em água com açúcar, descreve os enlaces com uma linguagem frequentemente rebuscada, o que desfavorece ainda mais a verossimilhança da narrativa.

Manuel Antônio, no entanto, está mais preocupado em descrever as suas observações da realidade do que em atender às expectativas das damas da côrte. As Memórias, que foram inicialmente publicadas de forma anônima entre os anos de 1852 e 1853, no Correio Mercantil, narram as desventuras em série do Leonardo, o malandro por excelência. A linguagem coloquial e a presença de personagens que tipificam os desfavorecidos socialmente antecipam muitas das características do Realismo, o movimento literário que sucedeu ao Romantismo.

O leitor perceberá, se esta resenha convencê-lo a ler o livro, que o autor faz não poucas referências aos portugueses que, vindos de além-mar, fixaram-se no Brasil a fim de encontrar a milenar promessa da vida melhor. Contudo, é para a realidade brasileira que o autor se volta. São os jeitos e trejeitos dos habitantes do velho Rio de Janeiro, as situações tragicômicas, o auxílio providencial da comadre, as perseguições dos granadeiros do major Vidigal, a benevolência do compadre, a angústia do Leonardo em sua busca por encontrar-se na vida que retratam o Brasil mais fielmente do que os namoricos dos endinheirados. Memórias de um sargento de milícias é o primeiro livro brasileiro.


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“É sempre assim que se sucede: quereis que nos liguemos estreitamente a uma coisa? Fazei-nos sofrer por ela”.

Manuel Antônio de Almeida

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