RESENHA丨René Guénon Revelado

Bruno Fontana
Bruno Fontana
Mestrando em Filosofia na USP e administrador do site "Contra os Acadêmicos"

René Guénon revelado é um livro interessante – mais pelo assunto (vida e pensamento do metafísico francês) do que pela escrita de Victor Bruno.

Não é possível afirmar que o jovem autor cometa erros de gramática. Justo seria dizer que ele por vezes escreve sob a regência de leis outras, desconhecidas dos gramáticos brasileiros. Na página 47, por exemplo, encontramos o seguinte parágrafo:

“Como forma de exemplo, podemos citar um trecho particularmente oportuno sobre como Guénon, apesar de se submeter à escrita dum texto, ainda que breve, de teor “biográfico”, sobre um santo. Não só um santo, mas talvez o principal dos santos medievais. Um santo que arquitetou e animou uma cruzada (a Segunda 1147 – 1150).”

Um leitor benevolente poderia, de início, supor tratar-se de pequeno desvio, distração. Mas a presença de parágrafos assim, verdadeiros anacolutos, é tão frequente que se torna inviável admitir hipótese que não seja a falta de domínio da expressão[1].

Há uns poucos trechos bonitos ao menos no aspecto dramático, como o que descreve a ruptura definitiva da amizade de Guénon e Frithjof Schuon, seu mais célebre discípulo, e o que narra a morte do primeiro.

O livro também contém curiosidades saborosas sobre a vida da ‘Esfinge’ que, segundo Olavo de Carvalho, projetava islamizar o Ocidente. Ficamos sabendo da vocação de Guénon para as ciências matemáticas, de sua participação no círculo neotomista de Jacques Maritain, da conversão oficial ao Islam e até mesmo de detalhes, não menos curiosos, de seu quotidiano: um homem que passava o dia meditando sobre as mais excelsas questões da metafísica universal, enquanto ouvia música alta e de péssima qualidade no rádio doméstico.

Aliás, Victor Bruno sugere que o projeto de islamização era bem menos guénoniano do que schuoniano. Em 1936, depois de supostamente receber, durante o sono, autoridade de mestre espiritual, Schuon teria dito a um conhecido: “Sou um mukaddam. Vou islamizar a Europa.” Paradoxalmente, esse indivíduo, que passou a se considerar o “mestre espiritual de todo o Ocidente”, espécie de papa inter-religioso, como dizia Olavo, foi o mesmo que, no fim da vida, acabou envolvido em processos de pedofilia e aliciamento de menores. Seu nome árabe, escolhido por ele mesmo, era ‘Īsā Nūr ad-Dīn (Jesus, a luz da Tradição).

Da segunda parte do livro, o capítulo de maior interesse ao leitor brasileiro é Catolicismo e René Guénon: há relação possível? Nele, Bruno fala da Nova Direita, de Olavo de Carvalho e da crise da Igreja. Não convence. O que é dito, por exemplo, sobre a necessidade de restauração da fé tradicional é vago e insuficiente. No que se refere ao reaproveitamento católico da metafísica de Guénon, a autoridade daquele que escreveu As garras da esfinge [2] ainda está longe de ser superada, não obstante alguns erros seus apontados por Bruno.

Além disso, eu estaria em falta comigo se dissesse que o livro serve de boa introdução ao pensamento guénoniano. Terminados os capítulos propriamente filosóficos, a sensação que sobrevém é a de que muito foi lido, mas pouco foi aprendido. O leitor ávido por familiarizar-se com os conceitos fundamentais da obra de Guénon – esoterismo, metafísica, iniciação, crise do mundo moderno, tradição etc. – dificilmente se contentará com a exposição aérea e atrapalhada de Victor Bruno. Nesse sentido, pode-se afirmar que o livro é mais feliz no que possui de biográfico do que na dimensão teórica.

Ao final do volume, os artigos traduzidos são de valor. É pena que as traduções padeçam, como o restante da obra, de tantos deslizes. Fernando Pessoa já havia dito: “o ter tocado os pés de Cristo não é desculpa para defeitos de pontuação”. E quem dera fossem, nesse caso, apenas de pontuação! Que ensaios de elevadas alturas metafísicas, ao menos pretensas, careçam de raízes rijas, bem fincadas no solo da linguagem e do mínimo preparo lógico-filosófico, não deve ser admitido como razoável.  


[1] V. também pp. 57, 59, 72, 225.

[2] V. CARVALHO, O. de – As garras da esfinge: René Guénon e a islamização do Ocidente (2016).

Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2023

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor