Paraisópolis é cenário de romance vigorosamente singular

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

Numa segunda-feira de manhã, chegou pelo correio um pacote contendo Um milagre em Paraisópolis, primeiro livro publicado de Fábio Gonçalves. Na madrugada da terça-feira, fechei o volume após ter lido a derradeira página 131, conturbada pela força singular desta obra completamente imprevisível. Escrita para marcar a alma da literatura brasileira, como sugere com acerto o autor do prefácio, Paulo Briguet.

O problema em que se vê quem acaba lendo o prefácio antes de embarcar na história é grande. Além de resumir o cerne do romance num parágrafo, por meio do paradoxo contido na palavra “Paraisópolis”, Briguet recorre ao termo “milagre” para descrever trajetória e destino do autor.

A gente se pergunta, após as duas laudas de sensibilidade fora de série, se o romance a seguir consegue ser melhor que a apresentação.

O curto primeiro capítulo é razão suficiente para ver que sim. E aí a pessoa que o tem à mão só pensa em terminar logo os deveres do dia pra retomar a leitura. Quando pude fazê-lo, já passava das 22h. Daí que o terminei de madrugada. Parar num ou noutro capítulo é inviável. O romance é intenso. A experiência estética promovida pela leitura, mais ainda.

Primeiro pelo absoluto domínio da linguagem escancarado pelo escritor. Não do tipo esnobe, de quem sonha mostrar a um outro que sabe falar direito. Mais do gênero inteligente; a linguagem imbuída da máxima gama de qualidades sensíveis próprias às coisas representadas, somada à alma de cada uma. Pra dizer de outro modo, o domínio da linguagem que faz um autor estar para o leitor como Virgílio esteve pra Dante, quando o ciceroneou pelo Inferno e Purgatório.

Fábio nos atira ao interior da história, a tal ponto consegue traduzir em frases, pontos e termos cada detalhe de tudo que a compõe.

Mas o que a compõe? Os sete pecados capitais e os dez mandamentos de Deus. Cenário à parte, o cerne da história é a maldição perene dos homens perdidos em pecados capitais, os quais resolvem encobrir ferindo ora um, ora dois mandamentos.

O cenário mesmo é a vida de Josenildo e sua família, retirantes em busca de prosperidade na Babel chamada São Paulo, mais especificamente a favela de Paraisópolis. Já o milagre, proferido de baciada na igreja neopentecostal onde Josenildo é pastor, não acontece naquelas redondezas.

Para descobri-lo, caberá ao leitor abrir a sua alma da primeira à última linha. E tirar a pedra.

“Tirai a pedra”. A pesada pedra do orgulho. E vereis.

A quantidade sozinha nunca pôde ultrapassar a mediocridade; e a desgraça humana reside no querer abarcar tudo, permanecendo sem abarcar nada. A intensidade traz a elevação, e é heróica, se dirigida ao sublime.

Baltasar Gracián

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