MURALHA DE LIVROS | Um contista, um demônio, três santos e um menino herói

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Destaque para lançamentos da Danúbio e Vide Editorial

Esta Muralha traz entre seus destaques mais um autor estreante nas letras nacionais. E, se existem demônios encarnados neste mundo, destaque para uma obra que desnuda as perversidades um dos maiores demônios do século XX.

Para combater demônios, porém, nada melhor que as orações de um dos maiores santos de todos os tempos; a medicina de uma santa escolhida pelo Espírito Santo para curar corpos e almas; e a biografia de uma piedosa Beata que, renunciando a títulos e posses, andou na contramão da decadência medieval.

Ainda, para os pequenos, a grande aventura de um menino herói que nos ensina sobre nobreza de caráter, coragem e generosidade.

Confira os lançamentos a seguir, e um excelente final de semana!

Destaques

O grande destaque desta semana é um lançamento da Danúbio: Nunca mais será domingo, de Matheus Araújo.

Livro de estreia do autor, o volume reúne oito contos que o qualificam em um lugar seguro entre as principais promessas na nova geração de escritores brasileiros.

Confira a seguir um trecho do conto “Nossa Missa dos Escravos”:

Vicente engolia o choro enquanto terminava o rosário na sua caminhada. Embrenhando-se pelos pavimentos estreitos, chegou em uma esquina em que se abria uma praça. As árvores, pontos verdes embaçados na claridade, circulavam ao redor de um pequeno campo de barro avermelhado. O estacionamento vazio ficava de frente a casas azuis, laranjas e amarelas, no estilo português, e entre elas ficava uma casa branca de onde saía todos os anos o Homem da Meia Noite. Encontrou a porta fechada.

Por trás da praça, no alto de uma pequena ladeira, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Vicente subiu pelo meio da rua, as paredes fediam a urina e as calçadas abarrotavam-se de lixo, entulhos e caçambas de construção. Exausto, transpirando e desabotoando os dois botões superiores da camisa, ele chegou à frente da igreja tonto e enfadado.

Era uma construção simples e comum quando comparada às outras igrejas daquela região. Possuía três arcos baixos pintados de um amarelo meio ralo, sem muitos adornos ou floreios. Acima, três janelões verde-musgo quebrados ou rachados; as grades da varanda retorciam-se em ferrugem. E lá no topo uma cruz negra projetava a sombra sobre Vicente.

Ele olhou ao redor: ninguém. Ocasionalmente rondavam por ali alguns fiscais multando ou prendendo pessoas que estivessem fora de casa sem motivo. Selecionou no molho uma antiga chave dourada, abriu a grade do portal principal e entrou. Escuridão, tudo negro como uma caverna. Havia teias de aranha grudadas no teto da antessala, o local tinha cheiro de mofo. Vicente avançou alguns passos, ajoelhou-se fazendo o sinal da cruz, e o ambiente começou a clarear.

No altar, branco e dourado, dois santos negros: um apontava a espada para o alto, o outro de braços abertos. Acima de todos, Nossa Senhora coroada segurava nos braços o menino Jesus.

Vicente gostava de pensar que a igreja fora construída pelos seus antepassados, que escravos em grilhões levantaram aquelas paredes, talharam os bancos, produziram as imagens, pintaram os quadros e rezaram as missas.  Primeiro ele se acomodou no banco, que rangeu como se estranhasse a sua presença, e em seguida ajoelhou-se no genuflexório. Orou em silêncio durante longos minutos.

Vicente passou a ouvir um barulho remoto de metal raspando no chão. Seguiu rezando de olhos fechados. O som se aproximava acrescido de um tilintar de correntes e batidas firmes de pés no chão. Um canto baixo e doce começou a soar. Era uma voz feminina e suave, logo acompanhada pelo cântico mais grave de homens. Os sons se entrelaçavam em notas sóbrias e pareciam longos lamentos de devoção. Então, ao abrir os olhos, ele viu.  Entravam na igreja, caminhando em fila dupla, acorrentados nos pés e nas mãos. Arrastavam correntes negras, entoavam as suas vozes negras e graves que preenchiam o ambiente de um tom profundo que Vicente reconhecia — o canto que seu pai lhe ensinara quando criança.”

O outro destaque é um lançamento da Vide: Alfred Kinsey: os crimes e as consequências, da Dra. Judith A. Reisman.

Em 1948, o Instituto de Pesquisas Sexuais da Universidade de Indiana, nos EUA, sob a coordenação do zoólogo e eugenista Alfred C. Kinsey, deu início a estudos que abalaram os alicerces morais da sociedade americana. As conclusões de Kinsey serviram como catalisador para a Revolução Sexual dos anos 1960 e ainda hoje enfrentamos suas terríveis consequências.

A Dra. Judith Reisman, em sua obra seminal, expôs as práticas científicas criminosas e as causas nefastas das pesquisas de Kinsey. Através de uma investigação minuciosa, Reisman revelou que os dados utilizados nos “Relatórios Kinsey” foram obtidos de maneira criminosa, incluindo o abuso sexual sistemático de centenas de crianças. Essa revelação chocante jogou luz sobre a natureza distorcida e manipulada dos estudos de Kinsey, que, por sua vez, influenciaram profundamente as atitudes e políticas sexuais de gerações.

Este livro apresenta um relato detalhado e documentado das atrocidades cometidas por Kinsey e as implicações duradouras de suas ações para a sociedade.

Outros lançamentos

Pela O Mínimo, O mínimo sobre a medicina de Santa Hildegarda, de Priscila Antunes.

O interesse por Santa Hildegarda e sua abordagem pioneira da medicina voltou a cativar leitores nos últimos tempos, sobretudo porque seu sistema de cura busca integrar corpo, mente e espírito. Neste livro, a autora nos apresenta uma visão abrangente sobre os ensinamentos e práticas dessa figura singular, que deixou um legado duradouro para a medicina como um todo.

A obra explora de forma clara e acessível os conceitos fundamentais da medicina hildegardiana, que buscava um equilíbrio entre corpo, mente e espírito. Santa Hildegarda, uma visionária para seu tempo, entendia a saúde como resultado da harmonia desses elementos, e a doença, por sua vez, como um sinal de desequilíbrio.

Pela Ecclesiae, dois lançamentos da Coleção Ecclesiae de Bolso. O primeiro, Orações de Santo Tomás de Aquino, que reúne orações que não constam no catálogo oficial da obra do Doutor Angélico, mas cuja autoria é incontestável. Reúnem-se no volume orações eucarísticas, orações para a Comunhão e orações diversas.

O outro volume da coleção é o Compêndio da vida da Beata Francisca d’Ambrósia, escrito pelo Cardeal Richard de la Vergne.

Duquesa da Bretanha, Francisca d’Ambrósia viveu no século XV. Após a more de seu marido, Pedro II, Duque da Bretanha, ela tomou o hábito carmelita no Mosteiro de Bordón, que ela mesma havia fundado anos antes. Mais tarde, ela se mudaria para o Mosteiro de nantes, também fundado por ela. No exercício do cargo de priora, alimentava o espírito das suas irmãs com sábias exortações. É considerada fundadora da Monjas Carmelitas na França. O seu culto litúrgico foi aprovado pelo Papa Pio IX em 1863.

O lançamento da Ecclesiae é a melhor fonte de sua biografia, deixada pelo piedoso Cardeal de la Vergne.

Pela Texugo, um clássico da literatura infantil recontado por Igor Barbosa e ilustrado por Robbie Gonçalves. João e o pé de feijão.

Indicada pra crianças entre 6 e 9 anos de idade, esta versão de Igor Barbosa mantém o encanto e a simplicidade da obra original, mas com um tom moderno na linguagem e na apresentação dos personagens. O trabalho de Robbie Gonçalves, feito em aquarela, marca sua estreia como ilustradora e dá um toque mais que especial para a edição.

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