SANTO CONTO | A Senhora da Estrela

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Um conto baseado na história de Nossa Senhora da Estrela

Deus seja louvado! Quando obtivemos autorização de nosso Superior para uma peregrinação à Cidade Santa, saímos logo no dia seguinte. Éramos dois jovens monges saindo de Monte Cassino rumo a Jerusalém, a nossa primeira peregrinação, e a ansiedade nos consumia.

Seguimos rumo ao norte, a pé, dormindo na estrada e vivendo do que nos mandava a Providência, ora uma esmola, ora um pequeno trabalho, um almoço aqui, um lanche acolá, e prosseguíamos, pregando a Palavra, evangelizando, escutando confissões, até alguns casamentos celebramos.

 Passamos por cidades, vilas e povoados sem conta, já estávamos andando por semanas, ou meses – perdemos a noção do tempo –, quando sentimos nossos pés sangrarem. Paramos em uma praia, exaustos. Era fim de tarde e um vento frio, mas agradável, vinha do mar. Fizemos nossas orações e fomos dormir sem comer naquela noite. Irmão Bento se ajeitou numa canoa ali perto, e cinco minutos depois já roncava. Me afastei (só quem conhece os roncos do Irmão Bento sabe…) e dormi na areia mesmo, olhando as estrelas.

Quando amanheceu, o susto: cadê Irmão Bento? Cadê a canoa? Nem sinal! Fiquei desolado, imaginando milhares de coisas que poderiam ter acontecido com meu irmão. Ajoelhei e fiz minhas orações matinais. Foi quando apareceu um grupo de pescadores, e descobri que estava em Grand Champ, na Normandia. Me ofereceram pão e peixe, agradeci (estava mesmo com fome!) e perguntei da canoa. Nunca tinham ouvido falar. Aliás, ali nem era local de pesca, praia ruim, eles tinham ido até ali justamente atrás de mim. Alguém havia contado que tinha visto um padre dormindo na praia, e na vila estavam sem sacerdote, com um moribundo precisando de confissão, crianças precisando de batismo, gente querendo casar… Enfim, deixei Irmão Bento nas mãos da Providência e fui cuidar do rebanho.

Acabei ficando um bom tempo por ali. A população era pobre, mas me tratava bem demais, me deram casa e tanta comida a ponto de eu engordar além do razoável. Quando chegou padre novo, a primeira coisa que fiz foi me confessar com ele, aqueles quilos todos estavam exigindo penitência. Depois fui embora, queria retomar a viagem a Jerusalém. Levei coberta, presentes e mais comida que podia carregar, mas o povo insistiu, então levei, e no caminho fui dividindo com quem encontrava.

Aí, teve aquele sonho. O sonho. Dias depois. Tinha parado para dormir em um povoado chamado Monteburgo, mas fiquei na estrada, gostava de dormir ao relento olhando as estrelas, e achava que estava acordado olhando o céu quando vi uma delas, enorme, brilhante, uma bola de fogo linda, caindo lá de cima, e indo dar na floresta ali perto de mim, abrindo uma clareira, queimando tudo em volta em questão de segundo. Eu olhava aquilo tudo abismado! Aí, escutei uma voz, aquela voz. A voz mais bonita que já escutei na vida, a voz de Nossa Senhora! Ela me pedia para eu construir uma igreja ali mesmo, naquele lugar onde agora só tinha cinza e brasa.

Meu coração estava disparado, eu ia abrir a boca pra perguntar qualquer coisa, mas uma fagulha parece que pegou na minha mão, e acordei gritando de dor. A mão estava mesmo queimada. Olhei pro lado e lá estava a clareira aberta, tudo cinza. Aí eu soube que o que tinha acontecido era obra de Nosso Senhor e da Mãe Santíssima. E como com Nossa Mãe a gente não discute, só obedece, foi o que fiz. Ela desceu numa estrela para me mandar construir uma igreja, então era o que eu tinha que fazer, e de novo a Cidade Santa ia ficando distante…

Só que o povo ali era pobre, mais pobre ainda que os de Grand Champ. O que conseguimos foi construir uma capelinha bem pequena, mas que acabou virando a igreja do local, já que antes não tinha nada mesmo.

E aí começaram os milagres, uma cura aqui, outra ali, e a fama da Capela de Nossa Senhora da Estrela foi aumentando até chegar ao Rei; e qual não foi minha surpresa quando fui visitado pelo médico pessoal dele mesmo, Sua Majestade Guilherme da Normandia! E surpresa maior ainda foi quando vi o médico em pessoa, meu irmão Benedetto, de quem eu tinha perdido o contato havia muitos anos!

Nos abraçamos e agradecemos a Nossa Senhora pelo reencontro, e as surpresas não pararam por aí: quando contei ao meu irmão do sumiço do Irmão Bento, ele me falou de um certo monge de mesmo nome que apareceu de canoa na costa da Inglaterra, foi recebido como santo milagreiro pelo povo e acabou se tornando Bispo de Salisbury. E era ele mesmo, meu companheiro de Monte Cassino, meu caro Irmão Bento, agora Dom Bento!

Depois disso, nossa comunidade foi visitada pelo próprio Rei, que ouvira maravilhado tudo o que meu irmão lhe relatou, desde a minha viagem de Monte Cassino com o Irmão Bento, meu sonho, os milagres, a história do Bispo de Salisbury. E vejam só, agora nossa capelinha vai virar uma Abadia e tanto, segundo os planos do soberano, que quer honrar o pedido da Mãezinha do Céu com tudo o que Ela merece. Deu seja louvado!

E agora nosso povoado parece que vai até prosperando mais, tudo parece que melhorou por aqui, crianças nascendo saudáveis, o povo feliz, a terra produzindo mais e melhor, e Nossa Senhora lá, intercedendo com Seus milagres. Então, Deus seja louvado!

E vejam só, chegou faz uns dias uma carta do Irmão Bento, Bispo de Salisbury, que chega em breve! Ele diz que quer conhecer esse povoado abençoado por intercessão da Mãezinha do Céu, Nossa Senhora da Estrela. Ah, mas ele vai chegar, vai se apaixonar e não vai mais querer ir embora! E quem sabe nós dois não completamos finalmente aquela viagem para Jerusalém, não é? Está tudo nas mãos de Deus, e que Ele seja sempre louvado! Amém!


Esse conteúdo é exclusivo para assinantes da Revista Esmeril.

Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2023

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor