ISRAEL SIMÕES | Obrigado pela pauta, Priscilla

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

Priscilla Alcantara despirocou de vez. A ex-apresentadora do programa infantil Bom Dia & Companhia pintou o cabelo de vermelho, fez umas tatuagens e comprou uns collants na 25 de março. Uau. Chocante. Inédito. Mais uma jovenzinha pagando de descolada para chamar a atenção. E eu com isso?

Foi o único pensamento que me veio à cabeça ao me deparar com a nova Priscilla nas páginas de alguns influenciadores que sigo no Instagram: de novo? Sério? Deveria eu me interessar por mais uma rebeldia adolescente tardia de uma cantora cujas músicas somente três pessoas em trinta conhecem?

Bem, talvez sim. Porque Priscilla Alcantara, que agora pede para ser chamada apenas de Priscilla (mais uma originalidade…) é um exemplo do transtorno que é esta cultura progressista, feminista e outros istas nada desejáveis. Ela vem se infiltrando nas escolas, nas igrejas, nas empresas e uma hora chegará à cabeça dos nossos filhos. Nunca o impulso à emancipação foi tão radical na direção do grotesco.

As letras açucaradas “vamos salvar as baleias e florestas” das bandas de rock dos anos 80, perto do “sobe e desce” do pop contemporâneo, parecem até hino gospel. Descemos e nos lameamos na vulgaridade periférica. Gourmetizamos o baile funk. A favela venceu.

Sim, é preocupante, mas se querem saber, também não sou almofadinha. Não tenho paciência para essas moças com cara de dona e vestido de camponesa da era feudal vendendo projeto de família margarina de 549,00 por 159,00. É demais para mim.

Não sou anjo, sou humano. Gosto da dose de caos que se infiltra na ordem: do McDonald’s no meio da dieta, da piada ousada na pizza de domingo à noite, da terceira taça de vinho que não deveria ter sido entornada. Eu sou dos que quebram as regras. Longe de mim passar para o bando do Coringa, mas o porão do Bruce Wayne também não me inspira qualquer diversão. É a tensão entre eles, na verdade, que movimenta o jogo.

Se os conservadores continuarem nesse moralismo do clique imediato, do dedo em riste que aponta cada pezinho fora da linha, vão acabar jogando no anonimato personalidades brilhantes e interessantíssimas, ainda que menos convictas de sua educação religiosa (como Donald Trump, por exemplo, que sofreu uma boa dose de rejeição nos círculos cristãos mais puritanos por não ser…puritano). Não é a crítica o problema, mas o corre-corre por views, likes e cartões de crédito das mães desesperadas por um novo curso que lhes garanta filhos virtuosos e cheios de palestras na ponta da língua.

Outro dia postei um vídeo comentando Campo de Morango, musiquinha esquecível lançada pela cantora Luísa Sonza, exatamente no mesmo esquema marqueteiro de Priscilla: chocar-causar- faturar. O que denunciava ali, no entanto, era uma certa manobra de persuasão em que as coisas escandalosas e explícitas escondem as perversões sutis, porque dela se faz uso nas disputas políticas, nos seminários universitários, nas escolas dominicais. Havia ali, de fato, um fenômeno social digno de nota. Não gastaria o meu tempo apenas para apontar a obscenidade daquela letra “Eu tava de ladinho e tu ia colocando”. Não precisa, é autoevidente. O pai e a mãe que não percebem o tamanho desta baixaria não precisam de curso, mas de uma consulta no psiquiatra.

Aliás, não tenho dúvidas que uma mãe salgadeira, faxineira, trabalhadora, honesta, recatada, membro da Assembleia de Deus da esquina, se vê a filha cantando uma dessas porcarias, não pensa duas vezes antes de lhe dar uns bons beliscões; umas bibliadas na cabeça, pra ver se a coisa entra na marra. Porque a ordem é a própria estrutura da realidade, pode ser apreendida até pelo mais iletrado.

Nós é que somos o caos, os pecadores ambiciosos, ávidos por poder e milhares de seguidores. Inventamos moda e pervertemos o bom senso neste eterno devaneio por tomar o lugar de Deus. Somos nós que exigimos um raciocínio muito elaborado para provar a feiúra de um collant recortado, com as dobras gordurosas pulando para fora, sobre um salto alto, em cima do palco. Quem tem dois olhos concorda: Priscilla Alcantara está uma lástima. Não é assunto que se renda, exceto a quem interesse criar um clima de cegueira generalizada, só para vender óculos. Em outras palavras, para lucrar com o storytelling-denúncia, mesmo que um tanto óbvio e repetitivo.

E já que estou de mau-humor, vou ser direto: Priscilla está em busca de fama e grana assim como vocês, amigos conservadores, influenciadores de Instagram, que trocam o caos pela ilusão de uma ordem pessoal e familiar blasé que só funciona no feed de vocês. Se apelo aqui é para as consciências, não para as estratégias. Continuem seus trabalhos de orientação da vida alheia, estão ajudando muita gente, reconheço e aplaudo.

Mas não se esqueçam: é business. Com a cabeça no travesseiro, ao falar com Deus, confessem que este negócio está lucrativo e que assim deve continuar, para o bem de suas contas bancárias.

Que vocês, a Priscilla, a Anitta e a Luísa, todos fazem parte do show.

Ninguém pode ficar de fora.

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