ISRAEL SIMÕES | Italo Marsili no banco dos réus

Israel Simões
Israel Simões
Terapeuta, filósofo clínico e curioso observador da vida cotidiana.

“Qual será o nosso papel como intérprete do Direito na construção do sistema de Justiça como um todo, dos direitos fundamentais que nós implementaremos no século XXI?” Essas foram as palavras utilizadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, André Mendonça, na abertura do vídeo de divulgação da nova empreitada do médico Italo Marsili: a Faculdade Mar Atlântico. Uma instituição de ensino superior na área do Direito em que Italo tem, como sócio, José Roberto Mello Porto, defensor público e sobrinho do ex-ministro do STF, Marco Aurélio Mello. No feed do Instagram, uma foto dos parceiros de negócio batendo um papo bastante amigável com o também ministro do STF, Luiz Fux, gerou polêmica entre os seguidores mais conservadores do “Doc”. Seria um gesto de deserção? Teria Italo abandonado a causa conservadora para se unir ao sistema de poder vigente? Ou, acima de todas as suspeitas, estaria Italo Marsili engolindo o establishment, arrombando suas engrenagens pela porta dos fundos?

Na mesma propaganda aparece o ministro Fux rindo de orelha a orelha enquanto bate-papo com os empreendedores. Em outro momento da peça de marketing, ele ergue os olhos na direção do céu para soltar uma frase igualmente emblemática: “Somente o sol, a lua e as estrelas continuam a brilhar igual desde a criação do universo. Mas o Direito está sempre em constante mutação porque ele é um instrumento de esperança”.

O que há de comum nas frases dos dois ministros? Projeção. Avanço. Inclinação ao futuro, que poderíamos, perfeitamente, chamar de progressismo. Uma pretensão de aperfeiçoamento contínuo dos valores e costumes sociais que, no Direito, fez com que a lei formal passasse a ganhar mais relevância do que os postulados principiológicos. Mais recentemente, o positivismo jurídico vem dando lugar ao pós-positivismo, que enterra de vez o jusnaturalismo e, gradativamente, o próprio texto da lei, para dar lugar a um pretenso conteúdo humanitário.

A mesma ideia de protagonismo da categoria jurídica no progresso da humanidade está presente na legenda do vídeo, impossível de ser lida sem vir à mente a voz do próprio Italo: “Nunca foi tão necessário resgatar a paixão pela advocacia e a autoestima dos advogados no Brasil. Vamos trazer de volta a tradição, a liturgia e as ferramentas práticas para formar uma nova geração de advogados”.

Um novo tempo…um novo começo…uma nova era…uma nova geração. Expressões que podemos interpretar apenas como parte de uma publicidade competente, envolvente, capaz de tocar, nos ouvintes, aquele desejo por fazer parte, entrar na esteira da história. De fato, não seria surpreendente que Italo Marsili estivesse criando mais uma rede (que ele chamaria de “comunidade”) na qual o público, quando se dá conta, já foi emaranhado. É sempre um novo projeto sobre o qual, concordando ou discordando, todos estão hablando. E engajando seu anúncio, como gosta o algoritmo.

Nesse sentido, a participação dos ministros do STF na estratégia de divulgação da Mar Atlântico só teria um objetivo: polemizar. E aproveitar do ideário iluminista que permeia os discursos dos juristas modernos para atrair os jovens, à direita e à esquerda, tão ávidos que são por inaugurar uma nova época de transformações sociais grandiosas.

Quem irá julgá-lo? São poucos os empresários brasileiros dispostos a criar, produzir e ofertar um serviço privado qualificado de educação. Aos que têm disposição falta competência, nem que seja para escolher um bom terno ou contratar uma agência de social media. A direita está cheia de boas iniciativas mal divulgadas.

Enquanto os grupos educacionais estrangeiros vão encantando os jovens com seus modernos auditórios e propostas de formação alinhadas às atuais demandas do mercado de trabalho, os conservadores parecem reclusos em instituições no meio do nada, com tapetes empoeirados e um suporte para bandeiras enjambrado no canto da sala. Isso não é conservadorismo, mas escassez, ainda que o esforço venha de nobres almas dispostas a lutar pela tradição.

A aparente aliança de Marsili com o topo do establishment só revela o seu poder de investimento e articulação, nada mais, pelo menos por hora. Al fin y al cabo, sua atitude não difere dos milhares de brasileiros que, ao longo da última década, manifestando nas ruas com bandeiras verde-amarela, bradando “Olavo tem razão”, acordavam na segunda-feira batendo cartão em empresas multinacionais, especialmente do setor secundário, que se orgulham de abraçar a Agenda 2030 da ONU.

O trabalho não é como a política, que exige partidarismo. Pelo contrário: se no partido político os cidadãos se unem através de suas afinidades, mesmo que pouco engajados na direção de um objetivo efetivo, o trabalho é o local onde as diferentes cabeças se juntam para, obrigatoriamente, produzir um resultado útil.

Obviamente a foto de Italo com Fux incomoda, mas não surpreende, exceto aqueles que dele esperam uma contribuição intelectual ou cultural mais relevante. Ele nunca fez esta promessa.

Seus livros parecem apostilas editadas às pressas, com erros de português e concordância bastante incômodos para o leitor mais exigente, servindo apenas para inserir o tal “autor best-seller” na biografia do Instagram. A matéria dos seus cursos é, basicamente, uma síntese da psicologia do Prof. Olavo de Carvalho combinada com os manuais de psiquiatria. Mesmo a Super Live Series produzida para o YouTube, onde Ítalo revela um amplo repertório sobre cosmologia, simbolismo, psicologia e artes tradicionais, com interessantes combinações entre as disciplinas, não difere muito dos conteúdos produzidos por centenas de alunos do Prof. Olavo, especialmente seu filho, Luiz Gonzaga. Nada muito original. E ele sabe disso.

É compreensível a decepção de alguns conservadores ao ver Italo canalizar toda a sua experiência intelectualmente privilegiada em negócio, mas seu mestre nunca pareceu incomodado com esta decisão. Se o médico nunca foi elogiado por Olavo como um aluno brilhante, também nunca ouviu dele qualquer crítica pública.

Portanto deixem Italo trabalhar. Seu progressismo, até o momento, é apenas persuasão de palco, coisa que os esquerdistas sabem fazer do palanque presidencial à mesa de plástico em reunião de sindicato.

E aos que desejam construir escolas e faculdades completamente alheias ao sistema, que o façam, se isso for possível, mas aproveitem para ir aprendendo como exibir um bom corte de cabelo, uma boa linguagem corporal, um slogan convincente e um network capaz de convencer os que estão fora da bolha a passarem o cartão de crédito.

***

Foto: reprodução Instagram.

Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2023

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor