HOJE NA HISTÓRIA | “V de Vingança”

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

O plano de explodir o Parlamento Inglês foi uma resposta à implacável perseguição aos católicos do país que se negavam a seguir a nova religião de Henrique VIII

As antigas crônicas romanas do século I da Era Cristã relatam a prática de um “cristianismo céltico” adotado pelos nativos das Ilhas Britânicas já naqueles primeiros anos da Fé dos Apóstolos. Com a partida das legiões romanas, no entanto, e provavelmente em função da insuficiente formação dos primeiros cristãos ingleses, um progressivo regresso ao paganismo tomou forma.

No final do século VI d.C., precisamente no ano de 597, uma missão oficial de evangelização fora enviada pelo Papa Gregório I ao Reino de Kent, estabelecendo assim um intercâmbio direto entre a Inglaterra e a Santa Sé. Gregório incumbira Agostinho, o prior de um mosteiro em Roma, de converter o rei pagão Etelberto e seus súditos à Fé Cristã.

O rei converteu-se. Mas, não só: Etelberto, como prova de sua gratidão, revelou-se generoso para com os cristãos, doando terras para a construção de um mosteiro. Agostinho, o emissário do Papa, foi consagrado Bispo e, mais tarde, Arcebispo da nova diocese inglesa, a Diocese da Cantuária. No Natal de 597, Agostinho da Cantuária, o “Apóstolo dos Ingleses“, promoveu o batismo da população local, um contingente de milhares de pessoas fora batizado naquele dia.

Nas décadas seguintes, Roma continuou a enviar missionários à Inglaterra a fim de consolidar definitivamente a Fé Católica no longínquo país. Agostinho da Cantuária, depois de sua morte, passou a ser venerado como Santo; ele fora, objetivamente, um dos principais agentes para a conversão dos povos celtas nas Ilhas Britânicas.

A Fé Católica no país manteve-se firme pelos próximos 900 anos. No século XVI, contudo, no ano de 1534, o rei inglês Henrique VIII, por meio de um instrumento jurídico denominado “Ato de Supremacia”, objetivamente deu início à perseguição aos católicos em todo o território do Reino da Inglaterra. O tal “Ato de Supremacia” elevava o rei à categoria de chefe absoluto da Igreja da Inglaterra, declarando traidores todos quantos simpatizassem com o Papa de Roma.

O estopim para o definitivo rompimento da Inglaterra com a comunhão católica praticada há quase mil anos no país fora o desejo do rei inglês em dissolver, a todo custo, o seu casamento com Catarina de Aragão, uma princesa católica. Diante do Papa, Henrique alegava que vivia em provável estado incestuoso com Catarina — que fora esposa de seu finado irmão. Ademais, Henrique desejava um filho homem, o que Catarina ainda não lhe fora capaz de dar.

O Papa Clemente VII, não encontrando nenhuma justificativa para a anulação do casamento do rei da Inglaterra na letra da lei do Direito Canônico, indeferiu o pedido do monarca. Henrique VIII, com o orgulho ferido e vendo-se na impossibilidade de desposar outra mulher (Ana Bolena) legalmente, decidiu romper a comunhão com a Igreja Católica — e levar todo o seu reino consigo.

O “Ato de Supremacia” inaugurou na Inglaterra uma onda de perseguição à Fé Católica sem precedentes na História. Os ingleses dos tempos de Agostinho da Cantuária, missionário da Fé em meio aos celtas pagãos, não testemunharam tamanho ódio à Fé da Igreja como nos dias de Henrique VIII. Em 1535 foram esquartejados os monges da Cartuxa de Londres, com o seu prior, John Houghton, à frente.

Em 1537, uma rebelião católica contra o rei fracassara, 216 leigos, 6 abades, 38 monges e 16 sacerdotes foram condenados à morte. Isabel Tudor, filha de Henrique VIII com sua segunda esposa, Ana Bolena, entregou-se a uma caça aos católicos em todo o país. De acordo com María Elvira Roca Barea, em seu livro “Imperiofobia e Leyenda Negra“, as perseguições aos católicos ingleses provocaram mil mortos, entre religiosos e leigos, contrastando com a realidade espanhola, onde “morreram acusadas de heresia menos pessoas do que em qualquer país da Europa”.

A Descoberta da Conspiração da Pólvora (c. 1823), Henry Perronet Briggs

No reinado de Isabel, quem desrespeitasse o “Ato de Supremacia” era objeto de sanções que variavam desde a flagelação até a pena capital. A coroa inglesa perseguia a todos: Calvinistas, Quakers, Batistas, Congregacionalistas, Luteranos, Menonitas e outros grupos religiosos que, sob a opressão implacável da perseguição, viram-se obrigados a fugir para a América. Nos tempos do rei Carlos II, mais de 13.000 Quakers foram encarcerados e tiveram seus bens expropriados pela coroa.

Em 1585, sob o comando de Jaime I, o Parlamento Inglês impôs um prazo de quarenta dias aos sacerdotes católicos para que estes, sob ameaça de morte, deixassem o país; a celebração da Missa — inclusive sob a forma privada — fora definitivamente proibida em toda a Inglaterra. No transcurso de dez anos, como assinala Roca Barea, a repressão conseguiu extinguir definitivamente a chama da Fé Católica no país.

Em 1605, indignados com a política repressiva e antipapista do rei Jaime I, um grupo de católicos liderados por Robert Catesby, idealizou uma “solução final“. A reação seria um último recurso às atrocidades cometidas contra os católicos na Inglaterra desde, pelo menos, o divórcio de Henrique VIII, em 1534. A derrubada, por meio da violência, de um poder tirânico não era condenada pela tradição católica; Santo Tomás de Aquino, Doutor da Igreja, e os católicos do século XVI, frente à realidade da ameaça protestante, discutiam esses pontos em sua literatura e pensamento político.

O plano consistia em, literalmente, mandar o rei e o Parlamento pelos ares por meio de uma violentíssima explosão. A explosão de trinta e seis barris de pólvora, alocados nos porões do Palácio de Westminster, faria a Câmara dos Lordes em mil pedaços. Durante a cerimônia de abertura do Parlamento, em 5 de novembro de 1605, os católicos teriam a sua justa vingança.

Guy Fawkes, um soldado inglês católico, fora escolhido para guardar a pólvora nos porões de Westminster até o glorioso dia da explosão. Uma carta anônima, no entanto, levara os homens do rei a encontrá-lo de vigia. Fawkes fora preso. O plano falhou, eram muitos os riscos e entre os conspiradores fez-se presente a desconfiança. Todos foram julgados e condenados. Os conspiradores seriam estripados: suas genitais deveriam ser removidas e queimadas na sua frente; seus corações deveriam ser arrancados; e, depois, deveriam ser decapitados e seus corpos desmembrados para que as partes fossem levadas a todos os quatro cantos do reino a fim de servir de aviso àqueles que ousassem desafiar a Igreja Anglicana.

Era inevitável que Guy Fawkes se tornasse uma lenda, um símbolo de “resistência” à tirania dos governos autoritários. Sua história inspirou o escritor britânico Alan Moore a criar o personagem V de Vingança, protagonista de uma história que se passa na Inglaterra num futuro distópico e pós-apocalíptico. V encarna um agente misterioso e revolucionário cujo único propósito é destruir o Estado. Sua icônica máscara fora criada pelo desenhista David Lloyd.


Com informações do site do Padre Paulo Ricardo e do Portal Terra.

“Remember, remember, the 5th of November. The gunpowder, treason and plot; I know of no reason, why the gunpowder treason should ever be forgot”. “Lembrai, lembrai, o cinco de novembro. A pólvora, a traição e a conspiração; Não conheço nenhuma razão pela qual a traição da pólvora deva ser esquecida algum dia”.

Rima tradicional inglesa para celebrar o dia [do fracasso] da Conspiração da Pólvora


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