O fim da Monarquia no Brasil foi só mais um compromisso cumprido na agenda revolucionária
No dia 15 de novembro de 1889 chegou ao fim a Monarquia no Brasil. O novo regime implantado artificiosamente no mesmo dia, a República, trouxe consigo uma nova era na história do país “florão d’América“: instabilidade política e econômica permanente e instrumentalização da cultura para fins ideológicos. Desde o fim do século XVIII o Ocidente ingressara numa espiral revolucionária que culminaria com a queda de praticamente todas as casas monárquicas europeias depois da Primeira Guerra Mundial.
Depois da Revolução de 1789, o Ocidente experimentou ditaduras e movimentos contra-revolucionários — estes, paradoxalmente, já impregnados com muitos dos valores revolucionários. O regime monárquico tem uma característica muito incômoda à mentalidade revolucionária: a Monarquia é o depositório natural do conjunto de valores que fizeram o Ocidente. A religião cristã, a moral, os costumes, as tradições, a cultura, etc. É natural, portanto, que esta instituição inspire ódio nos cabeças dos movimentos revolucionários — explicitamente anticristãos e amorais.
Nesse processo declarado de destruição do Ocidente a Monarquia representa, portanto, um entrave às aspirações revolucionárias. Basta observar a natureza dos conflitos europeus até a Reforma, por exemplo: objetivamente, a quantidade de mortos nos conflitos medievais em face do morticínio que varreu o mundo no século XX são cócegas sutis, quase imperceptíveis. A inquisição espanhola, a título de exemplo, no transcurso de 160 anos entregou ao braço secular cerca de 40 pessoas; 40 em 160 anos. No século XX, o Comunismo ceifou mais de 100 milhões de almas.
O poema de Joaquim Osório Duque-Estrada descreve o Brasil como um “florão d’América“, o poema data de 1909 e fora oficializado como letra do Hino Nacional Brasileiro por Epitácio Pessoa, Presidente da República, em setembro de 1922 durante as celebrações pelo centenário da Independência. O termo, no entanto, caberia perfeitamente ao Brasil pré-1889. Rodeado por Repúblicas instáveis, o Brasil conservou o regime monárquico tanto quanto lhe fora possível. Alguém disse que o Brasil é o triste país no qual as coisas dão errado mesmo quando dão certo.
Não só. Aqui também, dizem, as coisas chegam com relativo atraso. Enquanto o mundo mergulhava numa barafunda cultural e política promovida pelo andamento do projeto revolucionário cujo start dera-se em 1789, os habitantes da Terra de Santa Cruz gozavam de relativa estabilidade — que duraria, pelo menos, as quatro décadas do Segundo Reinado. Contudo, não demoraria para que as novas correntes de pensamento desembarcassem nos portos do Império. E assim foi.
Dentre as causas da queda da Monarquia Brasileira — que, mutatis mutandis, são as mesmas causas da queda de todos os reinos e impérios ocidentais — está a questão religiosa, a degradação moral. Ora, a religião é o sustentáculo da estrutura política democrática; ela confere legitimidade moral ao regime político-administrativo mediante sua simples presença na vida ordinária do país. Durante o seu longo reinado de quase meio século, D. Pedro II, “homem de letras”, influenciado pelos pensadores seus contemporâneos — e pela seção mais liberal da Maçonaria — foi pouco a pouco tornando-se antipático à Igreja Católica.
As reformas, os ajustes, os incrementos que vinham de Roma a fim de ajudar a Igreja Brasileira em suas necessidades do momento eram simplesmente impedidas de acontecer. A Coroa, tão amiga das novas ideias, caiu no mesmo erro dos monarcas europeus contrários a Napoleão: levaram a cabo um movimento de restauração impregnado das ideias revolucionárias. Quando, por meio dos telégrafos, dos viajantes que vinham da Corte, dos jornais, das discussões à porta das paróquias, o ferreiro, o sapateiro, o padeiro, o brasileiro comum soube do que se passara no Paço Imperial na noite do dia 15 de novembro de 1889, ele sentiu-se… vingado.
D. Pedro, anos antes, mandara prender Bispos católicos. Imaginemos hoje, sob a ditatura do politicamente correto, um Presidente da República ordenar a prisão imediata de um Silas Malafaia, de um Edir Macedo, de um Agenor, de um Dom Odilo Pedro Scherer… Nem a distância na qual se encontra Brasília — ilha de fantasia — das principais cidades do país, nem a enormidade dos espaços a céu aberto que compõem o perímetro da área dos principais prédios públicos da administração da República, nem a polícia parlamentar, a polícia federal, os dragões da Independência ou o exército seria capaz de conter a fúria dos brasileiros indignados com mais esta injustiça.
A Monarquia tropeçou e caiu. Veio a República, esse sistema que não deu ao Brasil vinte anos de estabilidade. O Brasil, o “florão d’América“, tornou-se semelhante aos seus vizinhos; nenhuma novidade. Esse acontecimento no Brasil coincide precisamente com a época em que o mundo trocou a Nobreza pela Burocracia, o Confessionário pela Psicanálise, a Caridade pelo Marxismo, o Romantismo pelo Positivismo e a Família pela… Ideologia.
Com informações de Carvalho, Olavo de, A nova era e a revolução cultural, 4ª edição, revista e muito aumentada, Vide Editorial Editora, Campinas, SP, 2014; Carvalho, José Murilo de, Os bestializados — O Rio de Janeiro e a República que não foi –, 4ª edição, Cia das Letras Editora, São Paulo, SP, 2019.
“Cuan dificil es
cuando todo baja
no bajar también”.
Antonio Machado
“A única coisa que sustenta o Brasil é a Monarquia; se mal com ela, pior sem ela”.
Marechal Deodoro da Fonseca
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40 mil, não?
“ A inquisição espanhola, a título de exemplo, no transcurso de 160 anos entregou ao braço secular cerca de 40 pessoas; 40 em 160 anos”
Ótimo resumo. Nunca fomos sequer sombra de uma democracia.
Olá, Rubens. Olha, pelo menos uma “sombra” de democracia creio eu que nós fomos, sim: o Segundo Reinado foi um exemplo disto.