Um grande erro é aliar-se a alguém simplesmente pelo discurso que este profere. Inclusive, apoiar um político meramente por causa de suas palavras é sempre perigoso. Afinal, usar a linguagem, na forma e no conteúdo, para cooptar apoiadores é a arte da política e o instrumento preferido dos psicopatas.
Explico: um psicopata é capaz de defender, tranquilamente, ideias com as quais ele não se coaduna. Por isso, suas falas e comportamento podem ser esteticamente ajustados para corresponder à expectativa do público que ele pretende conquistar, sem que sofra um mínimo com essa incongruência. Quando então esse psicopata encontra nos espaços públicos – como é o caso da política, da religião, dos fóruns e dos palcos motivacionais – linguagens e liturgias convencionais, ele vê neles a oportunidade de, imitando os gestos e as ideias ali estabelecidos, parecer, aos olhos dos espectadores, o mais fiel dos crentes ou o mais ideologicamente comprometido dos políticos.
Diferente dos psicopatas, uma pessoa normal sofre quando percebe a incoerência entre o que diz e o que acredita. Porém, esse sofrimento é meramente psicológico, é um escrúpulo. Mecanicamente e biologicamente não existe nenhuma dificuldade em se falar o que não se crê. Por isso, psicopatas, que não sentem culpa com a incoerência, não encontram barreira alguma em falar ou agir de maneira completamente dissociada de suas certezas íntimas.
Esse é o motivo porque os psicopatas enganam tão facilmente as pessoas comuns: como estas não conseguem entender alguém que não sinta nenhum incômodo em fingir constantemente suas crenças, ao ouvirem um político, por exemplo, defendo determinadas ideias tende a acreditar que, de fato, essas são as convicções dele. Então, como não têm o costume de abstrair o discurso e enxergá-lo como mera expressão vocal, como mero sopro que sai da boca do falante, ao escutarem alguém defendendo a pátria, tomam-no por patriota, ao ouvirem-no xingando comunistas, têm-no por direitista, ao vê-lo falando de Deus, recebem-no como crente. De fato, quase toda a decepção com os políticos e com os líderes religiosos vem dessa “inocência” de tomar a pessoa por confiável simplesmente por causa de seu discurso.
Por isso, a coisa mais inteligente – e profilática – a se fazer é parar de acreditar nas pessoas simplesmente por conta daquilo que elas dizem, pela coerência das suas ideias ou por estas corresponderem à expectativa do seu público. Devemos sempre lembrar que uma coisa é julgar a veracidade do que se diz, outra é confiar na pessoa que disse ─ e confiança é algo que se adquire apenas com o tempo. Então, é sempre melhor separar a linguagem da personalidade do orador e julgá-las como coisas absolutamente distintas.
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Brilhante. Esse ponto deveria ser debatido pela imprensa independente para esclarecer a população a partir das causas da nossa nulidade cultural e política, em vez dessa lamúria inútil.