CULTURA CATÓLICA丨Entrevista com Padres Bernardo Maria e Marcelo Monteiro da Costa

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

O papel da família cristã no mundo sob a visão de dois homens de Deus

Não poderia faltar para esta edição a percepção de bons clérigos sobre a Deus, a família e os desafios impostos aos cristãos pela revolução cultural que visa subverter a família. Portanto, conversei sobre essas questões com nosso querido colunista Padre Bernardo Maria, monge cisterciense do Mosteiro de Nossa Senhora de Nazaré, em Rio Pardo (RS), e com o Padre Marcelo Monteiro da Costa, da Paróquia São Gonçalo, na Arquidiocese de Niterói (RJ).

Confiram a seguir a entrevista com esses dois homens de Deus, e um Feliz Natal a todos!


Revista Esmeril: O tema do mês da nossa revista é “Família”. Como o senhor enxerga a família no plano de Deus?

Padre Bernardo Maria: Deus, no Seu infinito amor, não apenas criou o homem, mas sempre acompanhou a sua história, inclusive intervindo diretamente em seu favor. No livro do Gênesis, no capítulo 2, versículo 18, lê-se que Deus disse: “não era bom que o homem estivesse só”, e resolveu fazer uma auxiliar que lhe correspondesse. Dessa forma, Ele modelou uma mulher e a trouxe ao homem. Daí, o que se percebe é que a matriz da família, que começa com a união entre um homem e uma mulher, não pode ser negada. A família é uma instituição desejada pelo próprio Deus, e isso está revelado nas Sagradas Escrituras, fonte insubstituível da fé católica.

Padre Marcelo: A família é algo sagrado, que Deus ama dentro do plano da História da Salvação. No Natal vemos três personagens principais: Jesus, Maria e José (Lc 1-2). Ou seja, Deus Pai quis uma família para o seu Filho Jesus. Esta família é o lindo modelo para todas as outras famílias. Percebemos aqui o lindo papel do pai e da mãe no desenvolvimento dos seus filhos. Deus aqui inspira essa realidade.

Revista Esmeril: Qual o papel da família cristã na sociedade, na cultura de um povo, de uma nação?

Padre Bernardo Maria: Para responder essa pergunta nós precisaríamos antes contextualizar um pouco essa sociedade ou cultura em que a família cristã está inserida. Caso se trate de uma sociedade eminentemente cristã, o papel da família poderia comparar-se, por exemplo, ao dente de uma engrenagem que precisa cumprir bem o seu papel, manter-se firme em seus princípios e crenças para que os mecanismos de evangelização, de assistência sacramental e de vivência da moral cristã continuem gerando os benefícios necessários para o progresso e o bem-estar das almas.

No caso de uma família cristã que se encontra em meio a uma cultura hostil à sua fé, o ideal é que essa família se una a outras, que formem uma comunidade de fé, preferencialmente conduzidos por um sacerdote, a fim de criarem um ambiente que seja minimamente favorável a prática da sua crença. A partir daí, podem fazer tentativas esporádicas de anunciar o Evangelho a quem ainda não crê nele ou não o pratica. Se observarmos todo o esforço dos mártires cristãos primitivos, veremos que há muitas maneiras de resistir à hostilidade alheia e ainda assim alcançar vitória sobre as condições adversas à vivência da fé.

Padre Marcelo: O papel da família cristã na sociedade é ser o sal da terra e a luz do mundo (Mt 5). É dar o sabor dos valores do Evangelho de Cristo, viver as virtudes cardiais (justiça, prudência, fortaleza e temperança) e teologais (fé, esperança e caridade). Proporcionar, assim, uma cultura do Evangelho, dos valores cristãos essenciais, utilizando todas as artes para esse desenvolvimento. Criando-se essa cultura, haverá uma nação que ama a Deus e aos irmãos.

Revista Esmeril: Como o senhor percebe as mudanças culturais pelas quais as famílias passaram na história recente? Como essas mudanças afetam o rumo da história humana?

Padre Bernardo Maria: Se nós pensarmos no desenrolar dos acontecimentos históricos que se deram desde o final do século XIX até agora, veremos que foi crescendo a contestação dos valores morais tradicionais – e aqui não me refiro só a ao sexo, mas também à honestidade, à verdade, à fidelidade, à responsabilidade, à palavra empenhada etc.

Essa onda de contestação acabou atingindo quase todos, se não todos os setores e mecanismos da sociedade, e produziu um fenômeno chamado relativismo, várias vezes apontado pelo Papa Bento XVI como um dos grandes males do nosso tempo. A noção de família infelizmente foi atingida pelo mal do relativismo, e a grande dificuldade por que passam as famílias é que parecem não existir mais valores absolutos, solos firmes onde construir o edifício familiar. Há uma insegurança difusa, que gera nos corações um constante medo de começar uma família, porque se tem a impressão de que basta um vento soprar de qualquer direção que seja para pôr abaixo tudo o que foi construído com esforço e renúncia. A sociedade moderna, se não quiser cair definitivamente num estado de autodestruição, precisa resgatar os valores absolutos, e o cristianismo tem esses valores para oferecer.

Padre Marcelo: Há no momento algumas mudanças culturais que afetam muito o ser humano.  Isso acontece de modo engendrado, bem esquematizado, para retirar os valores do Evangelho do mundo e do ser humano, conforme aponta o Monsenhor Sanahura em seu livro Poder global e religião universal

Essas mudanças afetam a história do ser humano, pois acabam nos tirando o sentido de vida. A cultura de morte por meio do aborto e da eutanásia, que dessensibilizam as pessoas em relação ao valor da vida humana, constituem o maior exemplo desse processo.

Revista Esmeril: Os sacerdotes fazem parte das famílias de suas comunidades? Ou, pelo menos, deveriam perceber-se assim? Como o senhor entende essa questão?

Padre Bernardo Maria: O sacerdote é fruto de uma família, neste ponto ele não é diferente dos outros homens. E digo mais: um dos Mandamentos é honrar pai e mãe, ou seja, o sacerdote tem, enquanto filho, deveres sagrados para com os pais. Entretanto, esses deveres não podem ser impedimento para que o sacerdote cumpra o maior de todos os Mandamentos da Lei de Deus, ou seja, amar a Deus sobre todas as coisas.

Com esse maior Mandamento, Deus não está pedindo que o sacerdote abandone a sua família ou que renuncie a ela, mas apenas estabelecendo uma ordem de prioridades. Ou seja: Deus vem em primeiro lugar. E por que é isso? Deus é ciumento e possessivo? De maneira nenhuma! É preciso lembrar que do fato de um homem dedicar a sua vida e o seu tempo ao sacerdócio advêm graças especialíssimas para toda a sua família. Nesse sentido, é preciso perguntar-se: o que há de mais importante nesta vida que do que ser salvo?

Padre Marcelo: Os sacerdotes participam e fazem parte das famílias de suas comunidades, já que ele é o dirigente espiritual. Ele recebe de Deus a função de conduzir o rebanho de Jesus Cristo e age na ação de nosso Mestre.

Revista Esmeril: Para terminar, gostaria que o senhor deixasse uma mensagem a todas as famílias para que vivam bem o Tempo do Natal.

Padre Bernardo Maria: Seria muito importante que as famílias se espelhassem na Sagrada Família de Nazaré, o relacionamento entre eles, a maneira como se tratavam, como conviviam, os valores que cultivavam etc. Jesus, Maria e José têm muito a nos ensinar sobre a vida em família, mas é preciso ler nos Evangelhos a sua história, meditar sobre isso. E o que é muito importante: rezar a Deus pedindo inspiração. O ser humano sozinho é limitado, mas auxiliado pela graça e pela sabedoria de Deus pode encontrar soluções para problemas que pareciam insolúveis. Famílias, aproximai-vos de Deus confiantemente, e Ele indo inundará as vossas vidas com felicidade e paz. Feliz Natal!

Padre Marcelo: Neste momento de Natal, que todas as famílias acolham o Menino Deus com alegria. Que possamos vivenciar cada momento com a Sagrada Família, e celebremos com entusiasmo o nascimento do Príncipe da Paz. Que nossos corações, de fato, possam ser a verdadeira manjedoura para esse Menino Deus.

Um Feliz e lindo Natal para todos vocês!

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