ATIVISMO EM PAUTA丨Entrevista com Déia e Tiba Camargos

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Deia e Tiba falam sobre as graças recebidas e os desafios enfrentados pela família cristã no mundo atual

Quando Karl Marx, já no fim da vida, olhou para a realidade e percebeu que a Grade Revolução que ele idealizara em seus escritos não havia logrado, o demônio soprou-lhe uma última inspiração, e o velho parasita revolucionário enfim compreendeu que as rupturas da ordem natural a que ele aspirava só seriam possíveis por um caminho: a subversão e destruição da família cristã.

Marx então sistematizou e registrou este último sopro diabólico no livro A origem da família, da propriedade privada e do Estado, finalizado por seu companheiro de jornada Friedrich Engels, e publicado em 1884. As ideias do libelo foram absorvidas e aprimoradas pelos filhos e netos espirituais de Marx, sobretudo entre os intelectuais da Escola de Frankfurt, cujos escritos alimentaram a formação de pelo menos sete gerações. Os resultados dessa revolução cultural podem ser verificados desde as salas de aula do ensino infantil (onde as “tias” já trabalham há algum tempo os conceitos relativistas sobre a família), na mídia, na publicidade, no entretenimento de massa, no conjunto cada vez mais robusto de leis que visam à destruição da família.

O lado bom desse processo é que, ao se tornar a Revolução tão escancarada, ela gerou uma incisiva e santa reação entre diversas famílias cristãs. Diversos pais e mães, mesmo em meio a uma guerra assimétrica no plano terreno, assumiram seu papel na frente de combate contra as trevas, e têm conseguido promover, por meio de livros, palestras, cursos de formação e pregações que visam à valorização e ao resgate da família, uma contrarrevolução cuja principal meta não é a transformação social, mas a salvação de almas e o caminho do Céu.

Sobre essa contrarrevolução, conversei com dois de seus principais apóstolos no Brasil, o casal Déia e Tiba Camargos. Confira na entrevista abaixo um pouco da trajetória da família Camargos, as percepções do casal sobre Deus, família e sociedade, as graças e os desafios enfrentados por eles na vida pela qual optaram. Boa leitura!


Revista Esmeril: O tema de nossa edição de dezembro é “Família”, e nesta primeira pergunta, gostaria que relatassem um pouco sobre a trajetória de vocês enquanto família.

Déia e Tiba: Éramos missionários leigos na Comunidade Canção Nova, onde nos conhecemos, namoramos, noivamos e nos casamos em 2010. Tínhamos uma atividade missionária intensa, e em meio às nossas missões e trabalhos com os meios de comunicação, tivemos nossos 3 primeiros filhos. Porém, ao percebermos a incompatibilidade daquela realidade missionária com a formação que desejávamos dar aos nossos filhos, saímos da comunidade em 2018. Recomeçamos a nossa vida, o que não foi fácil, e após esse tempo tivemos mais 3 filhos. Nos mudamos para o campo a fim de proporcionar um ambiente mais adequado para a formação das crianças e para nossa vida familiar de modo geral

Revista Esmeril: Relatem um pouco sobre o apostolado pró-família que vocês promovem. Como, quando e por que começou, que ações vocês trabalham e em que espaços etc.

Déia e Tiba: Nosso apostolado com as famílias começa antes mesmo de casarmos. Já como namorados, eram comuns as pregações e formações que dávamos sobre família, namoro, sexualidade etc. Após sairmos da Canção Nova, esse apostolado surpreendentemente, cresceu. Estávamos dedicados à nossa primeira vocação, a de zelar pelo nosso matrimônio e de evangelizar os nossos próprios filhos, mas Deus estendeu o alcance daquilo que estava dando certo dentro de nossa casa, e naturalmente foi surgindo um apostolado com as famílias.  De, repente vimos as nossas redes sociais crescendo consideravelmente, os convites para formação chegavam o tempo todo, até que fomos criando nossos próprios projetos de evangelização familiar.

Hoje, temos cursos para famílias, sobre relacionamentos conjugais, educação dos filhos, bem como dois livros que também abordam esses temas.

Revista Esmeril: Como vocês enxergam a família no plano de Deus?

Déia e Tiba: Olhe para aquilo que é mais atacado e encontrará aquilo que é mais sagrado. Não é por acaso que a família tem sido alvo de tantos ataques. É justamente por estar nela a estrutura do mundo que funciona bem. Se a família for o que precisa ser, tudo caminhará bem. O caos do mundo é apenas o reflexo do caos doméstico.

Deus sonhou o mundo para ser uma espécie de boa família, onde os papéis são bem divididos, onde há hierarquia, valores e princípios inegociáveis. Onde todos se amam. A família no plano de Deus é uma espécie de antecipação do Céu.

Revista Esmeril: Para vocês, qual o papel da família na formação da sociedade?

Déia e Tiba: A família não precisa se preocupar em formar a sociedade, ela precisa se preocupar em ser o que Deus pensou para ela. Todo o resto será uma reverberação. Assim como uma criança de 10 anos que só precisa se preocupar em ser um bom garoto, um bom filho e um bom irmão. Sua família, então, será uma boa família.  Ele não precisa se preocupar em como vai contribuir para boa formação da estrutura familiar dele. Ele só tem controle sobre o que ele pode ser. Assim, a família só tem poder sobre o que ela pode ser.

Sociedade não existe, o que existe são os indivíduos. Por isso que “quando eu mudo, o mundo muda.” Pode parecer uma frase clichê, mas é verdadeira, porque o mundo é feito pelas diversas partes e essas partes se chamam pessoas. A família é o grupo de pessoas que mais se influenciam reciprocamente.

Revista Esmeril: Como vocês percebem as mudanças culturais pelas quais as famílias passaram na história recente?

Déia e Tiba: É verdade que existiu um mudança cultural que fragilizou a estrutura familiar, e é igualmente verdade que esse impacto se deu porque baixamos a guarda e permitimos que entrasse no nosso coração o paganismo. Não temos muito poder de ação sobre a estrutura do tecido social em si, mas temos sobre a nossa família. A forma como uma família vai se comportar tem ligação estreita com o comportamento de seus líderes. Estamos falando do pai e da mãe.

Nós somos os chefes da nossa família, e sobre nós, pais, recai a competência de educar corretamente, corrigindo os desvios de caráter, formando para as virtudes e protegendo daquilo que ameaça os nossos princípios, fazendo com que se conserve a boa e verdadeira cultura cristã.

Revista Esmeril: Voltando a questões mais pessoais, falem um pouco sobre sua rotina de pais homeschoolers, e sobre as vantagens e desafios da opção pelo homeschooling.

Déia e Tiba: A rotina de uma família homeschooler é de certa forma simples. Algumas pessoas têm uma ideia equivocada sobre o dia-a-dia de uma família que aplica a educação domiciliar, imaginando ser necessário possuir muitos recursos financeiros ou uma formação especial. Não. O que mais precisamos é de organização e dedicação.  Um dia normal na nossa família funciona assim: acordamos, fazemos nossas orações matinais juntos, tomamos café da manhã e cada filho, de acordo com sua idade, é conduzido para suas tarefas e apostilas. Monitoramos as atividades e fazemos adendos. Alguns dias da semana, no período da tarde, eles têm aulas de música e línguas.

É importante dizer que a Educação Domiciliar se dá muito em momentos e ambientes não convencionais, ou seja, fora da mesa de estudos. Ela acontece nos livros que as crianças leem, nas conversas à mesa, durante as viagens e passeios que fazemos. Podemos dizer que é uma educação orgânica, natural, no sentido de colocar os pais como os principais mestres.

Revista Esmeril: Por causa de seu apostolado pró-família, assim como sua opção pelo homeschooling, vocês já sofreram algum tipo de perseguição?

Déia e Tiba: Já aconteceu sim, porque nem sempre as coisas óbvias são entendidas como tal. Quando optamos pelo homeschooling, éramos missionários, e a instituição de que fazíamos parte não aceitou nossa opção e começou uma série de tentativas de nos dissuadir. Não com argumentos, mas por meio de uma série de pressões e comunicados gerais. Tentamos mostrar de todas as formas que nossa opção era um direito que a Igreja nos garantia, mas foi em vão. As pressões só aumentavam. Foi um episódio muito triste porque amávamos àquela instituição, lá tínhamos constituído família, nunca demos problema lá dentro e ao final fomos tratados como se estivéssemos ferindo um princípio. Estávamos sofrendo represália por termos optado em dar o melhor para os nossos filhos, e tudo isso vinha de uma obra religiosa a que dedicamos quase 2 décadas das nossas vidas.

Quem decide nadar contra a maré, não escapa de situações assim, porque hoje em dia tolera-se qualquer coisa, menos aqueles que não toleram qualquer coisa. Sabíamos qual era o melhor caminho para educar os nossos filhos e pagamos um preço por isso. Hoje, fazendo a leitura de tudo o que aconteceu, percebemos que foi muito barato perto de tudo que viveríamos com o homeschooling posteriormente.

Revista Esmeril: A todos os que nos leem, o que recomendam no sentido de formação e manutenção de boas famílias, ou restauração daquelas que têm se perdido?

Uma família, para se manter de pé, terá que percorrer o caminho de Cristo, ou seja, da abnegação. Quando nos casamos, morremos para nós mesmos para vivermos em oblação. Claro que nesse caminho Deus nos envia inúmeros consolos e graças, mas tudo como consequência de uma entrega não romântica. Só quem tem a coragem de entregar a vida saberá o que é a ressurreição. Deus não se deixa vencer em generosidade.

Algumas famílias não dão certo porque entendem a felicidade como um parque de diversões, com uma ideia infantil do que seja a realização pessoal. Querem ter pouco trabalho com os filhos, terceirizando a atenção às telas, o afeto às babás, a educação aos burocratas do Estado, e a evangelização às catequistas da paróquia. Família feliz é aquela que assume sua responsabilidade com maturidade e renúncia.

Revista Esmeril: Por fim, poderiam fornecer indicações de leitura sobre família, educação dos filhos etc?

Somos autores dos livros Família Forte: ordem estratégia e muita graça, e O mínimo sobre homeschooling, que recomendamos fortemente.

Indicamos também outros excelentes livros sobre o tema família:

Três Para Casar, do Venrável Fulton Sheen;

Os Temperamentos no Matrimônio, de Art Bennett e Laraine Bennett;

O Matrimônio, do Padre Jacques Marie Monsabré;

O Matrimônio Cristão,  do Padre Matheus Pigozzo;

Educação Catóilica e Homeschooling, de Kimberly Hahn, Mary Hasson;

Diário Espiritual de uma Mãe de Família, da Beata Maria Concepción Cabrera de Armida;

O Amor que dá vida, de –  Kimberly Hahn;

O privilégio de ser mulher, de Alice Von Hildebrand.

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