Contra a cultura da honra – Parte 1: Definições com Schopenhauer

Aldir Gracindo
Aldir Gracindo
Aldir Gracindo é professor, escritor de artigos, palestrante, ativista político, realista esperançoso, nerd orgulhoso, nacionalista e violoncelista amador.

Cinco assassinatos motivam uma discussão sobre masculinidade, moral e três culturas ocidentais: da honra, da dignidade e do vitimismo

Semana passada eu tive a oportunidade, embora amarga, de noticiar aqui na Esmeril os cinco assassinatos cometidos por Lyndon McLeod. A vida, os escritos, a personalidade transtornada e a morte do assassino, que publicava sob o pseudônimo de Roman McClay, tangenciou temas que me são passionalmente caros: Ciência, Política (antissocialismo e antineocomunismo), masculinidade, História, Filosofia e moralidade. Isso me traz à tentativa de redigir uma apologia da cultura da dignidade contra duas outras, a cultura da honra e a cultura do vitimismo.

Vejam essas frases de McLeod, citadas pelo Daily Beast:

Nossa sociedade inteira é feita de uns porrinhas de bosta que insultam fodões e saem impunes porque os agentes da lei & normas sociais protegem os FRACOS dos FORTES. Pra mim chega.

Os fracos, melhor se preparar… a merda vai ficar real.

Ele estava falando de cultura do vitimismo, cultura da honra, da sua própria personalidade transtornada e defendendo a cultura da honra.

Nestes tempos de guerra civil cultural, essas culturas se confundem e colidem. Então, primeiramente, é preciso esclarecer exatamente os termos.

O que é honra?

Em seus Aforismos para a sabedoria da vida (Parerga e Paralipomena, pub. orig. em 1851), Arthur Schopenhauer diferencia a honra em sentido universal, honra cívica e cultura da honra — que ele chegou a considerar como um fator arruinador da Europa. Os aforismos rompem o tom usual de Schopenhauer, que é tido como um filósofo pessimista, ao se proporem como um guia para uma vida boa, feliz.

Schopenhauer define muito claramente honra como composta de dois elementos:

Honra é, em seu lado objetivo, a opinião dos outros sobre o nosso valor; em seu lado subjetivo, é o respeito que nós damos a esta opinião.

Honra em sentido universal

Honra, em sentido universal, pondera Schopenhauer, é o reconhecimento social que deriva da utilidade demonstrada pelo indivíduo à sociedade, à comunidade. Como todos necessitamos uns dos outros para sobreviver, reconhecemos o valor dos outros pelo trabalho, serviços comportamentos produtivos e que contribuem para o bem geral. E sentimos necessidade instintiva de ter esse reconhecimento.

Honra cívica

Já honra cívica, diz Schopenhauer, “consiste na pressuposição de que respeitamos absolutamente os direitos de todos e, portanto, nunca devemos usar nossa própria vantagem injustamente ou por meios ilícitos. É a condição para tomar parte em toda interação amigável”. Pelo que ele diz (pressuposição de direitos), me parece claro que o ambiente sociocultural que permite e promove a honra cívica é o que hoje chamamos de cultura da dignidade.

Schopenhauer também ressalva que a honra cívica é perdida no momento em que ocorre uma única ação violenta contra esses direitos, e isso é um ponto importante: o indivíduo que infringe a honra cívica de outro perde a própria honra cívica.

Agora, a cultura da honra e a crítica de Schopenhauer.

Cultura da honra

A cultura da honra é uma exacerbação distorcida do senso de aprovação social. É algo que não existe nas sociedades mais civilizadas conhecidas, disse Schopenhauer:

(…) Existe uma outra espécie de honra que difere disso inteiramente, uma espécie de honra da qual os gregos e os romanos não tinham concepção.

Este senso peculiar — e não universal, como alguns erroneamente o consideram — de honra, diz Schopenhauer, é típico somente de “uma parcela extremamente pequena da população, isto é, as classes sociais mais altas e aqueles que os macaqueiam. É a honra cavalheiresca ou point d’honeur“. Essa elite adotou esse senso de honra durante o período medieval europeu.

Nosso querido Schopen especula que esse modismo elitista e contagioso pode ter se inspirado no direito germânico pré-século XV, no qual um acusador não tinha o ônus da prova. Era o acusado quem deveria provar sua inocência. Isso, obviamente, transformava conflitos sociais em um caos de trocas de acusações que tendia a desembocar em disputas violentas. Embora as leis tenham mudado, as ideias sobrevivem até hoje.

Falei anteriormente sobre ecos de sucessivas revoluções e restaurações na História na crítica do filme de James Bond.

Características da cultura da honra

  1. A expressão é o mais importante;
  2. Ser ofendido tira a honra;
  3. Ofender traz honra ao ofensor;
  4. Duelos restituem a honra;
  5. O poder físico decide tudo; e
  6. Os compromissos significam nada.

Schopenhauer critica a dissociação praticamente psicótica do senso de honra na cultura da honra em relação à honra em seu sentido universal.

A honra deixa de ser proveniente do bem que o indivíduo faz à sociedade e passa a ser gerada do que é expressado sobre dele — ou quiçá do medo de ofendê-lo. Até mesmo a opinião dos outros sobre ele deixa de ter importância, porque as expressões de “insulto” passam a ser o foco.

Uma expressão de desrespeito retira a honra do homem. Mas insultar traz respeito ao ofensor. E toda ofensa exige satisfação para restituição da honra.

Schopenhauer, como comparação, cita dois exemplos de romanos e gregos: um de Marius, outro de Temístocles.

O herói romano Marius, desafiado para um duelo por um chefe tribal teutônico, enviou a resposta: se ele (o teutônico) queria morrer, bastava se enforcar; porém, Marius poderia lhe enviar um gladiador veterano para ele poder brigar.

Compare um soldado, policial, médico ou bombeiro com um arruaceiro. Da perspectiva da honra em sentido universal, os primeiros são honrados, mas uma briga de rua não lhes traria honra — até, pelo contrário, seria desonroso. Já da perspectiva da cultura da honra, ser desafiado e não duelar lhes destituiria de honra. O soldado é um guerreiro que serve a nação; o gladiador lutava para o entretenimento da multidão.

Plutarco relata que Euribíades, comandante da frota, em discussão com Temístocles, levantou seu bastão para bater-lhe. No que Temístocles, em vez de sacar a sua espada, apenas disse: “Bata, mas me escute.”

Schopenhauer

Conhecemos também variações da cultura da honra. Uma das quais foram as disputas onde cavaleiros pretendiam “cristianizá-la:” faziam o mesmo duelo, apenas declarando antes algo como “que Deus dê vitória ao justo”. Ou aqueles que resolvem suas diferenças no ringue da academia ou na rua atrás do colégio.

As disputas são resolvidas com violência física em vez do uso do intelecto para defender, lógica e argumentativamente, uma posição. Por consequência, ao contrário do que dizem seus defensores, a palavra, os compromissos, na prática, não têm valor. Se alguém tem comportamento imoral ou não, tudo se resolve no campo de duelo.

Meu oponente tem verdade, direito e razão do lado dele. Muito bem. Eu o insulto. Então, direito e honra deixam-no e vêm para mim e, por hora, ele os perdeu — até ele obtê-los de volta, não pelo exercício do direito e razão, mas por me dar tiros e pauladas.

Schopenhauer

Não parece algo honroso. Parece mais uma cultura muito propícia para acéfalos, criminosos e psicopatas.

Na parte 2, vou falar de “um conto de três culturas morais.”

Com informações de: Schopenhauer, Arthur: Aforismos para a sabedoria da vida; Daily Beast; Videoensaio SCHOPENHAUER: How Knights Ruined Civilization (Honor Culture, Pt. 2); e Revista Esmeril.

Editado em 05 de janeiro de 2022.

O destino é cruel e os homens são dignos de compaixão.

Arthur Schopenhauer

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