CESAR LIMA | Lei da Ficha Limpa, conquista ou retrocesso?

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A Lei Complementar n. 135/2010, mais conhecida como Lei da Ficha Limpa, está comemorando 20 anos. A nossa reflexão de hoje é sobre essa. Há realmente motivos para comemoração? Ela mudou o cenário da corrupção no Brasil?

A Lei da Ficha Limpa nasceu como um Projeto de Lei de Iniciativa Popular encabeçado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). A coleta das assinaturas teve início em 2008, após aprovação unânime da campanha pela Assembleia Geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil. O projeto à época obteve mais de 1 milhão e 600 mil assinaturas, contando com o apoio de diversas entidades – tais como a Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais; a Central Única dos Trabalhadores; a Ordem dos Advogados do Brasil; etc.

Só pela aglutinação de forças para alcançar o objetivo, percebemos duas coisas importantes: primeiro, o interesse direto de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais – ou seja, daqueles que receberiam poderes extras para a bela causa de “combater a corrupção nas eleições”; segundo, a maioria dos integrantes do movimento são entidades conhecidas por apoiarem a fortalecimento do Estado no controle da sociedade brasileira – lideradas, normalmente, pelos auto-proclamados “progressistas”.

Assim vemos que o projeto surgiu no seio do movimento revolucionário brasileiro. Contudo, esse foi incensado pela imprensa como um marco no combate à corrupção eleitoral no Brasil. Será mesmo? Para responder tal pergunta, é preciso analisar seus objetivos externo e interno.

Como “objetivo externo” considera-se a ideia vendida para a aprovação da Lei da Ficha Limpa: evitar que políticos corruptos sejam alçados aos cargos eletivos. Para conseguir isso, alegou-se haver necessidade de ampliar os crimes previstos e suas punições, bem como de dar maiores poderes a Juízes, Procuradores e Promotores Eleitorais.

Desde a aprovação da lei, o Brasil já passou por uma série de escândalos. Os mais famosos: o Mensalão, um esquema que desviava dinheiro público para ganhar aprovação de projetos dentro do Congresso Nacional e abastecia o Caixa 2 de campanhas eleitorais; o Petrolão, um esquema aperfeiçoado do primeiro envolvendo a Petrobrás; além da Lava-Jato.

No que a Lei da Ficha Limpa serviu para evitar que políticos corruptos envolvidos nesses escândalos fossem alçados aos cargos eletivos? A Lei da Ficha Limpa realmente não serviu para nada?

Se a lei funcionou para alguma coisa, certamente não foi para a realização de seu objetivo externo. Porém, ainda há o objetivo interno. Qual seria esse?

Somente com a distância que o tempo nos confere é possível descobrirmos o “objetivo interno” da lei. É preciso observar no que essa foi eficiente.

Desde sua promulgação, inúmeros candidatos foram impedidos de concorrer ou tomar posse por denúncias de adversários políticos e promotores. Na grande maioria das vezes, tais processos sequer chegam ao fim. Pior, muitos dos casos são decorrentes de condenação por órgãos administrativos de Contas, cujos membros são indicados politicamente.

Portanto, a Lei da Ficha Limpa cumpre o papel para o qual foi criado. Esse só era diferente daquele vendido à população cansada da corrupção centenária. Levados pelo desejo de expurgar velhas raposas da política nacional, o povo caiu no velho fetiche brasileiro por leis e regulamentos para se fazer cumprir outras leis e regulamentos e permitiu a criação de uma arma contra adversários políticos – o objetivo interno da lei.

Há pessoas e juristas favoráveis à Lei que questionam: “mas você não é favor de combater a corrupção?” É obvio que sou, mas, no meu entendimento, os meios para combater a corrupção não faltam. Denúncia, investigação, acusação, processo e condenação. Simples assim.

O candidato tem processos pendentes? Os adversários e a própria Justiça poderiam e deveriam divulgar isso, deixando ao eleitor a responsabilidade de escolher se quer ser governado ou não por alguém de ficha suja ou limpa.

O paternalismo estatal brasileiro é uma coisa tenebrosa. A pretexto de proteger a sociedade sempre tem alguma lei que, apresentando-se em prol do bem comum, retira mais direitos de os cidadãos escolherem seu destino.

Em um país em que não se cumpre o básico, o que esperar de uma Lei que dá poderes enormes ao Estado, representado por Promotores e Juízes não eleitos, funcionários públicos, decidirem sobre em quem podemos ou não votar? Além de evidentemente inconstitucional, só poderia servir, mesmo, como meio de perseguição de adversários e controle político pela Justiça Eleitoral.

As nossas eleições já não são livres há muito tempo. O dinheiro para os Partidos Políticos e para as campanhas eleitorais é público. As regras eleitorais quando não agradam a burocracia jurisdicional são alteradas e interpretadas por essa o mais restritivamente possível. A contagem e divulgação de votos não é aberta ao público.

Ainda, depois dessa Lei, os tribunais, políticos!, agora decidem em quem nós podemos escolher como nossos representantes. Tudo isso, sem diminuir em nada, muito menos extinguir, a corrupção eleitoral.

Sinto muito contrariar os mais sensíveis ou aqueles que amam o Estado provedor e cuidador, mas isso não tem o menor cheiro de Democracia.

P.S.:

1) Ainda há uma controvérsia sobre a Lei da Ficha Limpa ser inconstitucional por prever penas para quem constitucionalmente ainda é inocente. Esse debate é apenas acadêmico. O Supremo Tribunal, sem surpresas, já decidiu que a lei é constitucional. Afinal, com a desculpa do combate a corrupção (dos outros, é claro), essa garantiu um poder imensurável ao Judiciário.

2) O relator do projeto, e um dos coordenadores da campanha, foi o Dr. Marlon Jacinto Reis. Com o sucesso da empreitada, ele ganhou notoriedade o que o levou a concorrer para governador do Tocantins pelo Rede em 2014 e 2018, e para deputado federal em 2022 pelo PSB. Porém, o resultado foi diverso do esperado. Aparentemente, ele abandonou a vida pública, estando atualmente sem partido.

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