BRUNA TORLAY丨Silas Malafaia pode não ser profeta, mas diz a verdade

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

Acabo de ouvir um trecho do discurso feito por Silas Malafaia a respeito do acordo fechado entre parlamentares de centro, eleitos com voto evangélico, e o governo Lula para levar a bom termo a indicação de Flávio Dino ao STF. Silas Malafaia não é a voz profética desse país que, seja por convicção infundada, seja por amor à retórica neopentecostal, afirma ser, mas está correto às suas invectivas contra parlamentares ligados à base evangélica.

Segundo o presidente da Igreja Neopentecostal Assembleia de Deus Vitória em Cristo, está tudo combinado para que Dino seja aprovado na sabatina do Senado, agendada para ocorrer nesta quarta-feira, 13 de dezembro. Afirma que parlamentares eleitos com o voto do povo evangélico aceitaram cargos no governo em troca de votar favoravelmente à indicação, apesar de Flávio Dino ser, segundo Silas Malafaia, “dez vezes pior que Alexandre de Moraes; pois todo comunista, e ele é comunista raiz, batalha contra costumes, família, igreja, espiritualidade e pátria”.

Conclamando a assembleia a fazer jejum ao longo dessa semana, pois a força da oração do povo de Deus seria a última alternativa para, mediante um milagre, evitar a aprovação de Dino na Sabatina, o parlamentar admite ter informações sobre o arranjo feito em Brasília entre governo Lula e “uma meia dúzia de bandidos da direita que vendem o povo por cargos no governo”. Afirma categoricamente que “governo comunista compra consciências”, acrescentando que o atual Presidente da República seria um traidor do povo cristão, uma vez que não cumpriu a palavra empenhada na carta aos evangélicos, publicada durante as eleições, na qual se dizia defensor da vida contra o aborto. De fato, um dos primeiros atos do governo Lula foi desligar o Brasil da Declaração do Consenso de Genebra sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família (uma aliança formada por 37 países que se posiciona pelo direito à vida, contra o aborto e pelo reconhecimento da família como base da sociedade), para na sequência, segundo o pastor, “colocar uma ministra para derrubar as portarias do governo passado para dificultar o aborto”. Evidentemente, ele se refere ao último gesto de Rosa Weber antes de sua aposentadoria, ter trazido a ADPF 442 à plenária do STF, deixando seu voto favorável como “testamento jurídico”.

Goste-se ou não dos ícones da base eleitoral evangélica, o alerta de Silas Malafaia é muito claro: a votação no Senado está decidida e parlamentares que se vendem ao eleitorado cristão como defensores da vida, dos costumes e da liberdade religiosa entraram na barganha. É com base neste fato que afirma estar “dando aqui um alerta, porque eu sou uma voz profética nesta nação. O único que pode impedir esse cara de assumir o STF é Deus. Não tem mais nada. Está tudo armado. É só Deus.

Para bom entendedor, meia palavra basta. Não me parece exatamente profecia, mas simples constatação das práticas correntes em Brasília. Silas Malafaia apenas diz abertamente ao eleitorado evangélico, sobre o qual tem forte influência, o que analistas atentos supunham a respeito da sabatina: que o governo seria generoso na distribuição de cargos para garantir uma transição suave de Flávio Dino do Ministério da Justiça a uma cadeira do Supremo. Para quem não nutre lá muitas ilusões a respeito de uma relação de idolatria e avessa à cobrança entre eleitores e parlamentares eleitos, o alerta de Silas beira o previsível

Na última semana, cheguei a apontar que a manifestação do último domingo seria insuficiente como instrumento de pressão, se articulações potentes nos corredores escuros do Senado não a precedessem; afirmei que a definição sobre o destino de Dino se daria em Brasília, que faz pouco caso das ruas e habituou-se a ignorar solenemente manifestações, trabalhando com a técnica de disciplinar a base a aplaudir seus eleitos, em vez de cobrar-lhes alguma decência e pelo menos um pouquinho de comprometimento.

Mas como dizem os seguidores daqueles parlamentares ineptos e apaixonados pela lei do menor esforço, a “isentona” e comunista sou eu. Aliás, vale apontar que, embora eu acredite piamente em milagres, creio que Flávio Dino passe na quarta-feira. Porque a falta de comprometimento da direita política é razão suficiente para que Deus opere em outras paragens, amparando quem merece, não quem solicita dia após dia um drink no inferno.

Enquanto Silas Malafaia alertava a base evangélica sobre o que está por vir, parlamentares conservadores eleitos com o voto cristão faziam vídeos comemorativos na celebrada posse de Javier Milei. Como procuro ser uma pessoa justa, faço questão de informar aos meus 10 leitores que nem todos os deputados foram fazer fotos em Buenos Aires nesse fim de semana. Nikolas Ferreira, André Fernandes, Filipe Barros e Alexandre Ramagem passaram o final de semana trabalhando, apesar de provavelmente não lhes ter faltado convites para integrar a comitiva dourada que preferiu, às vésperas da sabatina de Flávio Dino no senado, brindar à liberdade contemplando o entardecer sobre o pacífico Rio da Prata.

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4 COMENTÁRIOS

  1. Dino passaria. A questão sempre foi de preço. O máximo que a oposição consegue fazer é encarecer o pleito. Se for caro E apertado, a oposição venceu.

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