BRUNA TORLAY丨O PIX da concórdia

Revista Mensal
Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

Não foi bem recebida minha crítica inconveniente sobre a vaquinha visando ajudar o ex-presidente Bolsonaro a pagar multa de 300 mil reais aplicada pelo judiciário por razões abstratas, místicas ou persecutórias; quem sabe? Claro que a multa não faz sentido. Mais claro ainda que pedir PIX a apoiadores para pagá-la beira o ridículo. Mas essa parte muita gente não captou, mesmo com desenhos. Fotografemos o desenho então.

Segundo advogados habituados àquelas leis ambientais que tornam a vida de produtores rurais um inferno, 300 mil reais correspondem a valores rotineiros em multas aplicadas ao setor-locomotiva da economia nacional. E eles não pedem PIX, embora alimentem parte do globo. Se eu nunca vi a cor de 300 mil reais, certamente ele ultrapassa a soma de todos os tributos contrários ao direito natural que já paguei nesta minha breve vida. Equivale à despesa corrente de empresas altamente produtivas com os desgraçados encargos trabalhistas que empobrecem todo mundo, menos o Estado e seus sanguessugas. De modo que o comentário mais idiota, de longe, que um apoiador da campanha deixou em réplica aos meus juízos foi perguntar-me se eu sabia como era ser brutal e arbitrariamente taxada dessa forma. Meus Deus do céu, isso é a ROTINA de todo brasileiro produtivo: a extorsão sistemática e criativa sem razões aparentes, nem possibilidade de recurso.

Existe uma coisa chamada “partido” e outra chamada “fundo partidário”. A segunda é um valor recebido pela primeira conforme a proporção de parlamentares por ela eleita. Significa que políticos com grande popularidade, ou seja, que fazem muitas cadeiras, são os maiores responsáveis pelo valor do fundo partidário. Esse valor se destina, entre outras coisas, a arcar com despesas propriamente atreladas à vida política, o que pode implicar em perseguição. Significa que o povo JÁ ARCA COM DESPESAS pensadas para manter um partido funcionando, assim como seus líderes principais protegidos de inconvenientes quaisquer. Em 2023, o PL recebeu 205,8 milhões de reais de fundo partidário, a maior fatia do montante destinado ao conjunto dos partidos em atividade. A multa devida por Bolsonaro, cuja popularidade é a causa dessa gordura, custa 300 mil reais.

É evidente que eu integro a direita burra, conforme cunhou o ex-presidente, que hoje vive da caridade dos seus inimigos. Tenho sincera dificuldade em entender porque o maior nome do PL não pode ter suas despesas jurídicas, de advogados a multas e a encargos processuais, bancadas pelo partido que lhe deve o mais gordo fundo de que já teve notícia nesta sua vida bandida. Tenho ainda mais dificuldade em entender por que a população brasileira, assolada por encargos, tributos e taxas vindos de todas as direções, deve ser chamada a arcar com multa de valor irrisório para o partido, e considerável para qualquer pessoa produtiva cuja renda seja fruto de um suor permanente. Quando pagamos as contas, inclusive as abusivas e inaceitáveis, com a renda gerada por nossa capacidade produtiva, é realmente difícil entender como calculam os políticos, assim como a casta da burocracia de primeiro escalão, os funcionários agraciados com salários astronômicos para os padrões públicos aceitáveis num país incapaz de honrar o compromisso com seus pagadores de impostos nos setores mais básicos.

Mas foram poucas as pessoas que se chocaram com a patacoada do PIX e falaram isso abertamente. Que os caciques do PL saibam do vexame, é evidente, afinal colocaram as suas mercadorias de luxo (os puxadores de voto atuais, de quem muito sugam e a quem pouco cedem) para encampar o giro de chapéu. Isso se a ideia não partiu de um deles, estarrecido diante da “dificuldade” do partido em honrar as despesas do ex-presidente com os processos judiciais que carrega nas costas. A concórdia foi grande, e minha discórdia, descrita como implicância gratuita de uma pessoa sem empatia.

Isso porque eu nem levantei o assunto: “modalidade criativa de lavagem de dinheiro”…

No final das contas, restou-me rir abertamente com a ótima alfinetada de um raro espírito pensante e autêntico diante da curiosa (e cega) comoção: “Não sou coveiro”.

A verdade dói, mas de vez em quando alguém precisa dizê-la.

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