BRUNA TORLAY丨O fascínio do poder leva ao abismo

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

O fascínio exercido pelos cargos eletivos, ou poder político, é tamanho que todas as pessoas atualmente acampadas em frente a quartéis, ou postadas em vias e praças por todo o país certamente não estariam ali, tivesse Bolsonaro sido reeleito. Isso mostra que Olavo de Carvalho repetiu por mais de duas décadas um diagnóstico ao qual não se prestou suficiente atenção.

Pôr todas as energias, forças e fichas na defesa irrestrita de manter um político numa cadeira oficial nem vai salvar o país do comunismo, nem preservar os atores de possíveis perseguições ou reprimendas – as quais, aliás, tendem a ser, como ocorreu durante a pandemia, aplaudidas pela massa de pessoas que desconhece em absoluto o cenário político nacional e internacional, mas confiam plenamente em suas opiniões irrelevantes e infundadas.

Olavo de Carvalho distinguiu mais de uma vez (foram realmente muitas) o poder real do poder superficial. O poder político recai no grupo dois. Poder real tem quem possui dinheiro e armas (narcotráfico, por exemplo, que tem um e outro em larga escala); quem molda o modo de ser e pensar de burocratas da máquina pública e agentes da esfera econômica (Universidades, por exemplo); quem lidera organizações de todos os tipos, do sindicato à associação do bairro (lideranças locais). Em suma, tem poder quem influencia a ação de outras pessoas, para não dizer “quem manda nelas”. Diferindo apenas em graus, eis a natureza da coisa.

Com base na compreensão da natureza do poder, o filósofo apontava a importância, para quem quer que o disputasse, de fazer-se presente em todas as áreas da infraestrutura social. Áreas essas que determinam toda a superfície, ou perfumaria, da sociedade, como mídia, câmaras municipais, estaduais e federais; senado; burocracia estatal; presidência da república, etc. Atuar na base das instituições, estar nelas extensivamente – não ostensivamente – de fato poderia acomodar a direita ao embate político brasileiro, do qual ela foi aos poucos alijada, em consequência da estratégia comunista, dos anos 60 para cá.

Mas o término das eleições não reconduziu a direita a uma reflexão sobre como percorrer efetivamente o mapa desenhado pelo velho sábio. Esqueceram tudo e saíram consumindo desesperadamente as pílulas de desinformação plantadas pelos próprios comunistas para manter a massa distraída com bobagens, enquanto tocavam o governo de transição. Paralelamente, umas coisas absurdas e ridículas aconteceram nos protestos, e essas, é claro, foram noticiadas.

A imprensa, façam o favor de verificar, divulga as notícias cotidianas atinentes ao governo de transição, e ali nas laterais reservadas às colunas de fofoca indicam, naquele tom de menosprezo cabível às notinhas secundárias, gestos circenses em meio aos protestos, como o “patriota do caminhão”, ou os aplausos à chegada de contêineres, supostamente repleto de fuzis, a um quartel em Feira de Santana.

Claro que os protestos têm razão de ser. Mas não é disso que se trata, e sim do modo efetivo de combater o adversário, quando ele é também um inimigo perverso, como certamente pensam os manifestantes. Contudo, persiste o rame-rame do exaspero diante dos quartéis, mesclado à curiosa esperança de que às Forças Armadas devem imperiosamente resolver o impasse que vivenciam dentro de si — não desejar ser trapaceados pelo adversário, quando esse é mais esperto, mais estratégico, mais paciente e mais efetivo em seus atos.

Se a direita não perdeu nas urnas, como muitos afirmam, certamente está perdendo para a euforia, o sentimentalismo e a absoluta falta de consciência com relação ao pântano em que estamos metidos.

A primeira guerra mundial foi dolorosa. Guerra de trincheiras. Quando chovia, parte da tropa tinha de pegar em baldes e jogar água para fora de lá, de modo a evitar perder sua base de ação. Em suma, não dá pra pular a etapa dos baldes, quando estamos afogados em lama até o pescoço.

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