BRUNA TORLAY丨Futebol é cultura

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

Em 1994, eu fui passar férias com minha família em Corumbá, para conhecer o Pantanal – e a seleção brasileira foi para a final da copa do mundo. Eu tinha 12 anos e não sabia nada de copa do mundo – até assistir à disputa da sala da pousada e, inexplicavelmente, ficar emocionada no momento em que o italiano chutou uma bola na trave e os brasileiros invadiram o campo comemorando a vitória.

Minha filha tem 12 anos e cismou de ver a copa de 2022. Nunca tinha se interessado por futebol. Quis o álbum, entrou na febre das figurinhas, decorou nomes de inúmeros jogadores e sabia anedotas sobre quase todos os jogadores da seleção. Quis camiseta, corneta e comportou-se com impressionante seriedade a cada jogo.

Eu tinha esquecido da copa desde o 7 a 1. Fora a última vez que vira a seleção em campo. Não vi jogo algum em 2018 e não foi de caso pensado. Simplesmente passou em branco. Mas esse ano ela me fez lembrar. A partir do segundo jogo das eliminatórias, rendi-me às memórias de 1994 e a acompanhei. O jogo contra a Coréia do sul foi bem divertido.

Na sexta-feira, ela tinha ensaio geral com a turma de teatro e resolveu assistir à partida contra a Croácia na escola, com os amigos. Foi de camiseta, corneta e apito. Por volta das 15h, toca a campainha de casa sem muito ânimo. Pouco antes, quando o brasileiro bateu na trave, lembrei com amargura a alegria que outra bola na trave me fizera sentir, naquela salinha de TV da pousada em Corumbá, dando-me conta que minha filha chegaria em casa também chorando, mas de tristeza.

Que o Brasil vença ou seja derrotado, acabamos chorando. Da mesma forma que choramos ao final de um filme extraordinário, ou no dia que nosso filho sobe no palco da escola para alguma apresentação. Choramos na eucaristia, se nos lembramos da paixão de Cristo. Choramos ao saber de mortes; em cerimônias de casamento; ao término de livros profundos. Não é possível entender a vida e não derramar lágrimas.

A seleção brasileira sobre um gramado de copa do mundo carrega a alma do que entendemos por pátria; na qual vemos uma parte indissociável de nós. O espírito do Brasil é o nosso também; logo, uma parte de nós que dói, ao ser batido e desperta alegria, a cada vitória. O que é cultura, senão o conjunto de todas as realidades que inexoravelmente mobilizam nossas emoções? Futebol é cultura. Por isso nos conecta uns aos outros, como um cimento invisível, despertando, por estar na alma, todas as nossas emoções. Quando lemos uma história, é nossa alma que vira sua testemunha ocular. Quando a seleção entra em campo, entramos junto.

Eu não compartilho as razões de quem torceu contra o Brasil, em nome do “momento tenso que aqui se vive”, etc. Eu fico feliz ao ver a seleção vencer; e choro ao ver a seleção perder. Cultura é o caldo das inúmeras tradições cruzadas cuja extensão supera cada indivíduo dela participante. A tradição da seleção em copas é sólida e muito maior que todos nós; desde os que já a viram vencer, até os que aguardam ansiosamente por esse dia. Por isso, eu sabia que minha filha chegaria em casa chorando. Não é fácil perder jogos decisivos diante do mundo inteiro; sobretudo quando conhecemos, por esse misterioso fenômeno da memória coletiva — ou cultura — que a vitória é sempre doce.   

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